segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A religiosa

- Então, isto é assim tão comum nas casas religiosas? Pobre da minha superiora! Em que estado caiu!
- É terrível, e temo que piore. Não foi feita para esta vida e, mais cedo ou mais tarde, o resultado é este. Quando nos opomos à tendência geral da natureza, essa imposição desvia-nos para afetos desordenados, que são tão mais violentos quanto mais mal fundados; é uma espécie de loucura.
- Ela está louca?
- Sim, está e ficará ainda mais.
- E acha que essa é a sorte que espera todos aqueles que abraçam uma vida para a qual não foram chamados?
- Não, não todos. Há os que morrem antes; há os que têm um caráter flexível, e que acabam por aceitar; e há os que têm esperanças vagas que os sustêm por uns tempos.
- E que esperança pode haver para uma religiosa?
- Esperança? A primeira é conseguir revogar os votos.
- E quando essa já não existe?
- Então, esperam encontrar, um dia, as portas abertas, esperam que os homens se arrependam da extravagância de encerrarem pessoas vivas e jovens em sepulcros e que os conventos sejam abolidos, esperam que o fogo queime a casa, que as paredes da clausura caiam, que alguém as socorra. Todas estas suposições fervilham na cabeça e sem sequer nos darmos conta, ao passear pelo jardim, verificamos se as paredes são muito altas; na cela, agarra-se nas barras da grade e sacodem-se distraída e suavemente; se as janelas dão para a rua, olha-se sem cessar; se se ouve alguém passar, o coração palpita e suspira-se em silêncio por um libertador; se há algum tumulto cujo rumor penetre na casa, surge a esperança; pensa-se numa doença, que nos aproximará de um homem ou que nos faça ir tomar águas.
- É verdade, é verdade - gritei eu -, lê no fundo do meu coração; eu tive e ainda tenho essas ilusões.
- E quando as perdemos, através da reflexão, pois estas saudáveis emanações que o coração envia para a razão dissipam-se de vez em quando, então vê-se toda a profundidade da nossa própria miséria; detestamo-nos a nós mesmos e aos outros; chora-se, geme-se, grita-se e sente-se a aproximação do desespero. Nessa altura, umas vão a correr atirar-se aos pés da superiora, à
procura de consolo; outras prostram-se na cela ou aos pés do altar e pedem ajuda ao céu; outras rasgam as roupas e arrancam os cabelos; outras procuram um poço profundo, janelas altas, uma corda, e às vezes encontram-nos; outras, depois de se terem atormentado durante muito tempo, caem numa espécie de embrutecimento e perdem o juízo; outras, cuja saúde é débil e delicada, consomem-se em languidez; a algumas o equilíbrio transtorna-se, a imaginação perturba-se, e ficam furiosas. As mais felizes são aquelas a quem as ilusões consoladoras renascem e se deixam embalar por elas quase até à hora da morte; a vida dessas passa-se, alternadamente, entre o erro e o desespero.
- E as mais desgraçadas - acrescentei eu com um profundo suspiro -, as que passam sucessivamente por todas essas fases... Ah padre! Como lamento tê-lo ouvido!
- E por quê?
- Eu não me conhecia, mas agora conheço-me, e as minhas ilusões durarão muito menos.


A religiosa, Denis Diderot