sábado, 13 de setembro de 2008

O advogado do diabo



Somos como todos os outros homens. Somos sacerdotes por eleição e vocação. E celibatários por Legislação canônica. É uma carreira, uma profissão. Os poderes que exercemos, as graças que dispensamos, são independentes do nosso próprio valor. É melhor, para nós, que sejamos antes santos que pecadores... mas, como os nossos irmãos que estão fora do ministério, somos, em geral, algo que se situa entre esses dois extremos.

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Estou na Igreja há longo tempo, meu amigo. Quanto mais alto se sobe mais se vê — e de modo mais claro. É uma lenda piedosa dizer que o sacerdócio santifica um homem, ou que o celibato o enobrece. Se um sacerdote conseguir, até os quarenta e cinco anos, conservar as mãos fora do bolso e suas pernas longe de uma cama de mulher, conta com razoável probabilidade de continuar assim até o dia de sua morte. Ademais, existe ainda no mundo grande número de celibatários profissionais. Mas todos nós estamos ainda sujeitos a orgulho, ambição, preguiça, negligência, avareza. Não raro, é-nos mais difícil salvar nossas almas do que os outros as suas. Um chefe de família tem de fazer sacrifícios, impor disciplina a seus desejos, praticar o amor e a paciência. Talvez pequemos menos, mas, no fim, temos menos méritos.

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Eis aí por que creio que essa investigação poderá ajudá-lo. Ela o levará para fora de Roma, para uma das regiões mais miseráveis da Itália. O senhor reconstituirá a vida de um morto segundo o testemunho daqueles que com ele viveram... os pobres, os ignorantes, os esbulhados. Seja ele santo ou pecador, isso, no fim, não faz diferença alguma. O senhor viverá em meio de gente simples, falará com tais pessoas. E entre elas talvez encontre a cura para a enfermidade de seu próprio espírito.
— E qual é a minha enfermidade, Eminência?
— Não há paixão em sua vida, meu filho. O senhor nunca amou uma mulher, nem odiou um homem, nem sentiu piedade por uma criança. Apartou-se demasiado tempo e é, agora, um estranho no seio da família humana. Jamais pediu nada nem deu nada. Jamais conheceu a dignidade da privação, nem a gratidão de um sofrimento compartilhado com outrem. Eis aí a sua enfermidade. Eis aí a cruz que o senhor talhou para os seus próprios ombros. Aí é que começam não só as suas dúvidas, como também os seus temores... pois um homem que não pode amar o seu semelhante tampouco pode amar a Deus.

Morris West, O advogado do diabo