“Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus (e creio que essa era virá), então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começará o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e à alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo-se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem-deus. Vencendo, a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade, como um deus. Por altivez compreenderá que não há razão para reclamar de que a vida é um instante, e amará seu irmão já sem esperar qualquer recompensa. O amor satisfará apenas um instante da vida, mas a simples consciência de sua fugacidade reforçará a chama desse amor tanto quanto ela antes se dissipava na esperança de um amor além-túmulo e infinito.”
***
"Meu senhor - começou quase com solenidade -, a pobreza não é um pecado, é a verdade! Sei também que a embriaguez não é nenhuma virtude. Mas a miséria, meu senhor, a miséria... essa sim, essa é pecado. Na pobreza ainda se conserva a nobreza dos sentimentos inatos; na miséria não há nem nunca houve ninguém que os conserve. A um homem na miséria quase que o correm a paulada; afugentam-no a vassouradas da companhia dos seus semelhantes, para que a ofensa seja ainda maior; e é justo, porque na miséria sou eu o primeiro que estou disposto a ofender-me a mim próprio."
***
Hum! Sim, é isso, está tudo ao alcance do homem e tudo vem parar nas suas mãos, só que o medo... Isso é um axioma... É curioso: de que será que as pessoas têm medo? O que mais temem é o primeiro caso, a primeira palavra... Mas me parece que estou falando demais. Afinal, não faço mais nada senão falar. Embora também se pudesse dizer que, se falo, é porque não faço nada. A verdade é que durante este último mês me deu a mania de falar enquanto fico ruminando no meu canto... sobre ninharias. Bem, e afinal, aonde vou? Serei capaz "disso"? Será uma coisa séria? Não, de maneira nenhuma. Divirto-me, mas é à custa da minha imaginação, é uma brincadeira! É isso mesmo, uma brincadeira!
Fiódor Dostoievski, Crime e Castigo