terça-feira, 26 de dezembro de 2023


 “Poetry is when an emotion has found its thought and the thought has found words.” 

Robert Frost

 


"Qué fácil callar, ser serena y objetiva con los seres que no me interesan verdaderamente, a cuyo amor o amistad no aspiro. Soy entonces calma, cautelosa, perfecta dueña de mí misma. Pero con los poquísimos seres que me interesan… Allí está la cuestión absurda: soy una convulsión. De allí proviene mi imposibilidad absoluta para sustentar mi amistad con alguien mediante una comunicación profunda y armoniosa. Tanto me doy, me fatigo, me arrastro y me desgasto que no veo que instante de liberarme de esa prisión tan querida. Y si no llega mi propio cansancio, llega el del otro, hastiado ya de tanta exaltación y presunta genialidad, y se va en busca de alguien que es como soy yo con la gente que no me interesa."

Alejandra Pizarnik,  Diarios

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

ARTE POÉTICA



Se o poema não serve para dar o nome às coisas

outro nome e ao seu silêncio outro silêncio,

se não serve para abrir o dia

em duas metades como dois dias resplandecentes

e para dizer o que cada um quer e precisa

ou o que a si mesmo nunca disse.

Se o poema não serve para que o amigo ou a amiga

entrem nele como numa ampla esplanada

e se sentem a conversar longamente com um copo de vinho na mão

sobre as raízes do tempo ou o sabor da coragem

ou como tarda a chegar o tempo frio.

Se o poema não serve para tirar o sono a um canalha

ou a ajudar a dormir um inocente

se é inútil para o desejo e o assombro,

para a memória e para o esquecimento.

Se o poema não serve para tornar quem o lê

num fanático

que o poeta então se cale.

.

António Ramos Rosa

domingo, 24 de dezembro de 2023


 I


E se eu ficasse eterna?

Demonstrável.

Axioma de Pedra


Hilda Hilst, 

À tua frente. Em vaidade 

 


Experimentamos em relação a cada homem mais conhecido, muito mais conhecido do que nós, uma mistura de inveja e comiseração. É porque sabemos que obteve o que nós desejamos, ao mesmo tempo que se perdeu, pelo seu próprio êxito. Por pouco que permaneçamos fiéis ao nosso próprio ser — e só podemos consegui-lo por meio do isolamento e do anonimato —, concebemos não o orgulho, mas algo mais elevado, que nos permite olhar com piedade para quem incorreu na aprovação dos homens.

Emil Cioran (In: “Cadernos: 1957–1972”)


 Escultura de mármore do Palácio Real de Estocolmo - Suécia 

Karl Petter Hasselberg

 


domingo é um dia incapaz de mentir

Zack Magiezi


Abro a caixa do poema para descobrir

velhos versos, estrofes que ficaram a meio,

imagens gastas pelo bolor dos anos. Devia

ter deitado tudo para o lixo, no meio

de metáforas sem uso, de aliterações

surdas, de hipérboles furadas como balões

de feira. Mas encontro palavras que ainda

me servem, as que falam de coisas que não

passam, as que trazem um eco de vozes

que voltam a soar aos meus ouvidos, como

se estivessem comigo. E volto a fechá-la,

para não perder o que nunca tive.


 Nuno Júdice 


É o repouso iluminado, nem febre nem langor, no leito ou no prado.

É o amigo nem ardente nem débil. O amigo.

É a amada, nem atormentadora nem atormentada. A amada.

O ar e o mundo de modo algum buscados. A vida.

— Era então isso?

— E o sono refresca.


      Arthur Rimbaud


 Sorrio aos animais que sorriem às árvores porque essa é

também uma forma de amar e de olhar por ti, quando sin-

to a tua vida a pulsar como uma estrela ou um vocábulo e

eu já não tenho perguntas que te faça nem outra forma de

segurar as tuas mãos a não ser a dor e o júbilo de te olhar

com a mesma alegria feliz com que olho uma manhã car-

regada de frutos.

Quando os animais se afastarem caminhando pela tua au-

sência, ainda azuis mas incompletos, restará a sombra das

árvores e a tua recordação na inquietação dos pássaros, ou

a minha antiga tristeza cantando por entre uma floresta de

poemas que escrevi para celebrar, no teu corpo, o canto

inesgotável.

Adiei-me por ti. E por ti ardo, como o velho anjo que pegou

o fogo aos quatro pontos cardeais.


Joaquim Pessoa 


 Levo comigo um maço vazio e amassado de Republicana e uma revista velha que ficou por aqui. Levo comigo as duas últimas passagens de trem. Levo comigo um guardanapo de papel com minha cara que você desenhou, da minha boca sai um balãozinho com palavras, as palavras dizem coisas engraçadas. Também levo comigo uma folha de acácia recolhida na rua, uma outra noite, quando caminhávamos separados pela multidão. E outra folha, petrificada, branca, com um furinho como uma janela, e a janela estava fechada pela água e eu soprei e vi você e esse foi o dia em que a sorte começou.

Levo comigo o gosto do vinho na boca. (Por todas as coisas boas, dizíamos, todas as coisas cada vez melhores que nos vão acontecer.)

Não levo nem uma única gota de veneno. Levo os beijos de quando você partia (eu nunca estava dormindo, nunca). E um assombro por tudo isso que nenhuma carta, nenhuma explicação, podem dizer a ninguém o que foi.


- Eduardo Galeano, no livro “Vagamundo”

 


Volto a casa perseguido pela distância, esfomeado de ti, com uma

queimadura nos ossos, ferida enamorada, inebriada com o cheiro

das estrelas.

É doce a tua mão, irmã gémea do meu peito, a que espera que a

noite chegue, a que pede amor à minha carne e deposita uma flor

azul no meu cansaço. 

Debaixo da lua, a força de ter-te devolve a luz ao mundo, as laran-

jas brancas do teu peito oferecem-me o perfume dos roseirais que

crescem junto ao mar.


Joaquim Pessoa

sábado, 23 de dezembro de 2023

 


Noites sem sexo são perfeitas, também: janelas entreabertas,

sombras que passam na rua através das horas, relâmpagos

que não chegam a iluminar as paredes do quarto. 


Românticos 

que se encontram depois de viver vidas paralelas, cansados – mas enlaçados antes que chegue a hora de partir, sem saberem se amanhã há outro sono igual, ou uma escolha para fazer.

Os dois sabem que são doidos, estendem os dedos na escuridão entre as luas. Os dois sabem que mais adiante podem arder de repente no meio do Verão, consumidos pelos segredos e pela indiferença.

Noites sem sexo são perfeitas, também;

e raras, e condenadas e incompletas. 


Nunca estamos preparados, diz um. Nunca estamos, repete o outro, quando a primeira borboleta sossega depois de um beijo em dívida.


Francisco José Viegas


 Amar-te é uma obra de arte.

Casimiro de Brito

domingo, 17 de dezembro de 2023

Cálice

A vida não tem roteiros,

só velas que nos acenam

do mar.


 

Escuta, amiga,

o desfiar das horas:

elas te dirão é tua

é tua a vida.

 

Toma-a (como se toma

um cálice de rosas)

         na mão.


Antonio Brasileiro


 Gênese da tristeza – Não há insatisfação profunda que não seja de natureza religiosa: nossos fracassos provêm de nossa incapacidade para conceber o Paraíso e aspirar a ele, como nossos mal-estares da fragilidade de nossas relações com o absoluto. “Sou um animal religioso incompleto, padeço duplamente todos os males” – adágio da Queda, que o homem se repete para consolar-se. Ao não consegui-lo, recorre à moral, decide seguir, expondo-se ao ridículo, seu conselho edificante. “Resolve-te a não estar mais triste”, lhe responde esta. E ele se esforça por entrar no universo do Bem e da Esperança… Mas seus esforços são ineficazes e antinaturais: a tristeza remonta à raiz de nossa perdição…, a tristeza é a poesia do pecado original… 

Emil Cioran

autodesconhecimento



guardo

algumas respostas

sobre mim

pois sei que um dia

as perguntas certas

irão chegar


zack magiezi

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

 


Poesia é uma projeção, através do silêncio, de cadências arranjadas para quebrar aquele silêncio com intenções definitivas de ecos, sílabas, comprimentos de ondas.

Poesia é o diário de um animal do mar vivendo na terra e querendo voar no ar.

 Poesia é uma série de explicações da vida dissolvendo-se em horizontes muito cambiantes para explicações.

Poesia é uma busca de sílabas para atirar contra barreiras do desconhecido e desconhecível.

Poesia é o silêncio e a fala entre a raiz úmida e esforçada de uma flor e a florescência iluminada pelo sol daquela flor.

Poesia é o abrir e fechar de uma porta, deixando aqueles que estavam olhando a imaginar o que viram por um breve instante.

Carl Sandburg

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

   


Quando os corpos se amam

eleva-se um templo invisível 

onde a fúria se instala — 

nem só de vinho

se embriaga um homem. 


Casimiro de Brito

Beijos na manhã



castos

meus beijos da manhã

nas suas

costas

gasto

meus beijos de manhã

e você

gosta

adorne

de beijos as manhãs

em que eu te

aderno

afagos

de beijos nas manhãs

em que me

afogas

beba

meus beijos nas manhãs

depois me

babe

astro

nos beijos da manhã

na tua

ostra

nau

de beijos da manhã

pra você

nua

 

 Antoniel Campos

domingo, 3 de dezembro de 2023

 


"A colheita é comum, mas o capinar é sozinho."

João Guimarães Rosa, em "Grande Sertão: Veredas"


 «Dolor. Dolor de ser. Dolor de amar y de no ser amada. Dolor de la noche acariciándome los cabellos. Dolor del mar. Dolor de que la vida pase sin detenerse en mi puerta. Dolor de hablar y que mis palabras queden adheridas al viento quien las dispersará por parajes inmemoriales. Dolor de ser y de no tener vocación para ser. Dolor de sobrellevar tanto amor y no poder dejarlo en parte alguna porque nadie quiere recibirlo».

Alejandra Pizarnik | Diarios.

«Dor. Dor de ser. Dor de amar e de não ser amada. Dor da noite acariciando meus cabelos. Dor do mar. Dor da vida passar sem parar na minha porta. Dor de falar e que minhas palavras fiquem ligadas ao vento quem as espalhará por lugares imemoriais. Dor de ser e de não ter vocação para ser. Dor de lidar com tanto amor e não poder deixá-lo em lugar algum porque ninguém quer recebê-lo.



 alguns amores não sabem acabar

e esse é o único defeito deles

Zack Magiézi

sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

 



Nossa história está escrita

dentro de cada célula

só não sabemos lê-la

ainda


dentro de nós existe

a resposta que buscamos

só que não a procuramos

bem


o nosso lado mais sábio

ainda se esconde da gente

e vamos nascer novamente

até saber


Bruna Lombardi


 Eu sou tua alma, tenho decifrado 

a essência de tua resina e convivido 

intimamente com a ponta de teus dedos, com tua loucura. 

Nossas peles se roçam, nossas pernas se entrelaçam, 

nossos corpos se abraçam 

Somos uma mistura.


Cheios de humor, temos a qualidade 

da extravagância, o prazer de transgredir, 

o deleite da transformação. 

Selvagens somos, tigres, sombras nos espelhos, 

temos a ilegalidade na alma 

e a sabedoria na intuição.


E temos belos corpos, voos rasantes 

e o mesmo estratagema. 

Um homem, a paixão de um homem, 

esse é o meu tema. 


Bruna Lombardi