quinta-feira, 30 de novembro de 2023

[55] - O livro do desassossego


Por mais que pertença, por alma, à linhagem dos românticos, não encontro repouso senão na leitura dos clássicos. A sua mesma estreiteza, através da qual a clareza se exprime, me conforta não sei de quê. Colho neles uma impressão álacre de vida larga, que contempla amplos espaços sem os percorrer. Os mesmos deuses pagãos repousam do mistério.

A análise sobrecuriosa das sensações — por vezes das sensações que supomos ter —, a identificação do coração com a paisagem, a revelação anatômica dos nervos todos, o uso do desejo como vontade e da aspiração como pensamento — todas estas coisas me são demasiado familiares para que em outrem me tragam novidade, ou me deem sossego. Sempre que as sinto, desejaria, exatamente porque as sinto, estar sentindo outra coisa. E, quando leio um clássico, essa outra coisa é-me dada.

Confesso-o sem rebuço nem vergonha… Não há trecho de Chateaubriand ou canto de Lamartine — trechos que tantas vezes parecem ser a voz do que eu penso, cantos que tanta vez parecem ser-me ditos para conhecer — que me enleve e me erga como um trecho de prosa de Vieira ou uma ou outra ode daqueles nossos poucos clássicos que seguiram deveras a Horácio.

Leio e estou liberto. Adquiro objetividade. Deixei de ser eu e disperso. E o que leio, em vez de ser um trajo meu que mal vejo e por vezes me pesa, é a grande clareza do mundo externo, toda ela notável, o sol que vê todos, a lua que malha de sombras o chão quieto, os espaços largos que acabam em mar, a solidez negra das árvores que acenam verdes em cima, a paz sólida dos tanques das quintas, os caminhos tapados pelas vinhas, nos declives breves das encostas.

Leio como quem abdica. E, como a coroa e o manto régios nunca são tão grandes como quando o Rei que parte os deixa no chão, deponho sobre os mosaicos das antecâmaras todos os meus triunfais do tédio e do sonho, e subo a escadaria com a única nobreza de ver.

Leio como quem passa. E é nos clássicos, nos calmos, nos que, se sofrem, o não dizem, que me sinto sagrado transeunte, ungido peregrino contemplador sem razão do mundo sem propósito, Príncipe do Grande Exílio, que deu, partindo-se, ao último mendigo, a esmola extrema da sua desolação.


Bernardo Soares. Fernando Pessoa

O livro do Desassossego 

 


É difícil, é impossível crer que o deus bom, o “Pai”, tenha-se envolvido no escândalo da criação. Tudo faz pensar que não teve nela participação alguma, que essa é a obra de um deus sem escrúpulos, de um deus tarado. A bondade não cria: falta-lhe imaginação; mas é preciso possuí-la para fabricar um mundo, por mais avacalhado que seja. É, no limite, da mescla de bondade e maldade que pode surgir um ato ou uma obra. Ou um universo. Partindo do nosso, é em todo caso muito mais fácil remontar a um deus suspeitoso que a um deus honrável.

O deus bom, decididamente, não foi dotado para criar: possui tudo, menos a onipotência. Grande por suas deficiências (anemia e bondade andam juntas), é o protótipo da ineficácia: não pode ajudar ninguém… Só nos agarramos a ele quando nos despojamos de nossa dimensão histórica; enquanto nos reintegramos a ela, nos é estranho, nos é incompreensível: não tem nada do que nos fascina, não tem nada de monstro. E é então quanto nos voltamos ao criador, deus inferior e atarefado, instigador dos acontecimentos. Para compreender como pôde ter criado, é preciso imaginá-lo presa do mal, que é inovação, e do bem, que é inércia. Esta luta foi, sem dúvida, nefasta para o mal, pois deveu sofrer a contaminação do bem: o que explica por que a criação não pode ser inteiramente má.

Emil Cioran 

sexta-feira, 24 de novembro de 2023


Detestamos aqueles que "escolheram" viver na mesma época que nós, que correm a nosso lado, que entravam nossos passos ou nos deixam para trás. Em termos mais claros: todo contemporâneo é odioso. Conformamo-nos com a superioridade de um morto, jamais com a de um vivo, cuja simples existência constitui para nós uma censura e uma acusação, um convite às virtudes da modéstia. Que tantos semelhantes nos ultrapassem é um evidência intolerável que esquivamos nos arrogando, por uma astúcia instintiva ou desesperadas, todos os talentos e atribuindo-nos a vantagem de ser únicos. Sufocamos perto de nossos êmulos ou de nossos modelos: que alívio diante de suas tumbas! O próprio discípulo só respira e se emancipa com a a morte do mestre.

Emil Cioran


A insustentável leveza do ser


A LEVEZA E O PESO

1

O eterno retorno é uma ideia misteriosa e, com ela, Nietzsche pôs muitos filósofos em dificuldade: pensar que um dia tudo vai se repetir como foi vivido e que tal repetição ainda vai se repetir indefinidamente! O que significa esse mito insensato?

O mito do eterno retorno afirma, por negação, que a vida que desaparece de uma vez por todas, que não volta mais, é semelhante a uma sombra, não tem peso, está morta por antecipação, e por mais atroz, mais bela, mais esplêndida que seja, essa atrocidade, essa beleza, esse esplendor não têm o menor sentido. Essa vida é tão importante quanto uma guerra entre dois reinos africanos do século XIV, que não alterou em nada a face do mundo, embora trezentos mil negros tenham encontrado nela a morte depois de suplícios indescritíveis.

Será que essa guerra entre dois reinos africanos do século XIV se modifica pelo fato de se repetir um número incalculável de vezes no eterno retorno?

Sim: ela se tornará um bloco que se forma e perdura, e sua brutalidade não terá remissão.

Se a Revolução Francesa devesse se repetir eternamente, a historiografia francesa se mostraria menos orgulhosa de Robespierre. Mas como ela trata de algo que não voltará, os anos sangrentos não passam de palavras, teorias, discussões, são mais leves que uma pluma, já não provocam medo. Existe uma diferença infinita entre um Robespierre que apareceu uma só vez na história e um Robespierre que voltaria eternamente para cortar a cabeça dos franceses.

Digamos, portanto, que a idéia do eterno retorno designa uma perspectiva em que as coisas não parecem ser como nós as conhecemos: elas aparecem para nós sem a circunstância atenuante de sua fugacidade. Com efeito, essa circunstância atenuante nos impede de pronunciar qualquer veredicto. Como condenar o que é efêmero? As nuvens alaranjadas do crepúsculo douram todas as coisas com o encanto da nostalgia; até mesmo a guilhotina.

Não faz muito tempo, surpreendi-me experimentando uma sensação incrível: folheando um livro sobre Hitler, fiquei emocionado com algumas fotos dele; lembravam-me o tempo de minha infância; eu a vivi durante a guerra; diversos membros de minha família foram mortos nos campos de concentração nazistas; mas o que era a sua morte diante dessa fotografia de Hitler que me lembrava um tempo passado da minha vida, um tempo que não voltaria mais?

Essa reconciliação com Hitler trai a profunda perversão moral inerente a um mundo fundado essencialmente sobre a inexistência do retorno, pois nesse mundo tudo é perdoado por antecipação e tudo é, portanto, cinicamente permitido.

2

Se cada segundo de nossa vida deve se repetir um número infinito de vezes, estamos pregados na eternidade como Cristo na cruz. Essa ideia é atroz. No mundo do eterno retorno, cada gesto carrega o peso de uma responsabilidade insustentável. É isso que levava Nietzsche a dizer que a ideia do eterno retorno é o mais pesado dos fardos (das schwerste Gewicht).

Mas será mesmo atroz o peso e bela a leveza?

O mais pesado dos fardos nos esmaga, verga-nos, comprime-nos contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o fardo do corpo masculino. O mais pesado dos fardos é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da realização vital mais intensa. Quanto mais pesado é o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais real e verdadeira ela é.

Em compensação, a ausência total de fardo leva o ser humano a se tornar mais leve do que o ar, leva-o a voar, a se distanciar da terra, do ser terrestre, a se tornar semi-real, e leva seus movimentos a ser tão livres como insignificantes.

O que escolher, então? O peso ou a leveza?

Foi a pergunta que Parmênides fez a si mesmo no século VI antes de Cristo. Segundo ele, o universo está dividido em pares de contrários: a luz/a escuridão; o grosso/o fino; o quente/o frio; o ser/o não-ser. Ele considerava que um dos polos da contradição é positivo (o claro, o quente, o fino, o ser), o outro, negativo. Essa divisão em polos positivo e negativo pode nos parecer de uma facilidade pueril. Exceto em um dos casos: o que é positivo, o peso ou a leveza?

Parmênides respondia: o leve é positivo, o pesado é negativo. Teria ou não teria razão? A questão é essa. Só uma coisa é certa. A contradição pesado/leve é a mais misteriosa e a mais ambígua de todas as contradições.

3

Há muitos anos penso em Tomas. Mas foi sob a luz dessas reflexões que o vi claramente pela primeira vez. Eu o vi de pé, diante de uma janela de seu apartamento, os olhos fixos na parede do prédio defronte, do outro lado do pátio, sem saber o que fazer.

Conhecera Tereza três semanas antes numa cidadezinha da Boêmia. Não tinham passado nem sequer uma hora juntos. Ela o acompanhara à estação e esperara até o momento de ele subir no trem. Cerca de dez dias depois, veio vê-lo em Praga. Nesse dia mesmo fizeram amor. À noite, ela teve um acesso de febre e passou uma semana inteira com gripe na casa dele.

Ele sentiu então um amor inexplicável por aquela moça que para ele era quase uma desconhecida. Tinha a impressão de que se tratava de uma criança que fora deixada numa cesta e abandonada nas águas de um rio para que ele a recolhesse na margem da sua cama.

Tereza ficou com ele uma semana, depois, já curada, voltou para a cidade onde morava, a duzentos quilômetros de Praga. É aí que se situa o momento a que me referia e em que vejo a chave da vida de Tomas: está de pé à janela, os olhos fixos na parede do prédio defronte, do outro lado do pátio, refletindo:

Devia propor que ela viesse se instalar em Praga? Essa responsabilidade o assustava. Se a convidasse agora, ela viria para junto dele e lhe ofereceria toda a sua vida.

Ou seria melhor desistir? Nesse caso, Tereza continuaria como garçonete num restaurante de uma cidadezinha do interior e ele não a veria nunca mais.

Queria que ela ficasse? Sim ou não?

Fixa, do outro lado do pátio, a parede defronte, e procura uma resposta.

Volta, mais uma vez e sempre, à imagem daquela mulher deitada no divã; ela não lhe lembrava ninguém de sua vida de outros tempos. Não era nem amante nem esposa. Era uma criança que ele retirara de uma cesta e que depositara na margem da sua cama. Ela havia adormecido. Ele se ajoelhara ao seu lado. Sua respiração febril se acelerava e ele ouviu um leve gemido. Encostou o rosto no dela e sussurrou palavras reconfortantes enquanto ela dormia. Alguns instantes depois, sua respiração se acalmou e seu rosto se levantou maquinalmente em direção ao dele. Sentiu nos lábios o cheiro um pouco acre da febre e o aspirou como se quisesse se impregnar da intimidade do corpo dela. Imaginou então que fazia muitos anos que ela estava na sua casa e que morria. De repente, pareceu-lhe evidente que não sobreviveria à morte dela. Deitou-se ao seu lado para morrer com ela. Movido por essa visão, enfiou o rosto no travesseiro, junto ao dela, e assim ficou por muito tempo.

Agora, Tomas está de pé à janela e relembra esse instante. O que se revelava assim, senão o amor?

Mas seria amor? Estava convencido de que queria morrer ao lado dela, e esse sentimento era claramente exagerado: ele a estava vendo então apenas pela segunda vez! Não seria mais a reação histérica de um homem que, compreendendo em seu foro íntimo a inaptidão para o amor, começa a representar para si próprio a comédia do amor? Ao mesmo tempo, seu subconsciente era tão covarde que ele escolhera para sua comédia essa modesta garçonete do interior que praticamente não tinha chance de entrar na vida dele.

Olhava os muros sujos do pátio e compreendia que não sabia se era histeria ou amor.

E, nessa situação em que um verdadeiro homem saberia agir imediatamente, ele se recriminava por hesitar e assim negar ao instante mais belo de sua vida (está de joelhos à cabeceira da moça, convencido de não poder sobreviver à morte dela) qualquer significação.

Torturava-se com recriminações, mas terminou por se persuadir de que no fundo era normal que não soubesse o que queria:

Nunca se pode saber o que se deve querer, pois só se tem uma vida e não se pode nem compará-la com as vidas anteriores nem corrigi-la nas vidas posteriores.

Seria melhor ficar com Tereza ou continuar sozinho?

Não existe meio de verificar qual é a decisão acertada, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que leva a vida a parecer sempre um esboço. No entanto, mesmo esboço não é a palavra certa, pois um esboço é sempre o projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.

Tomas repete para si mesmo o provérbio alemão: einmal ist keinmal, uma vez não conta, uma vez é nunca. Poder viver apenas uma vida é como não viver nunca


Milan Kundera, A insustentável leveza do ser 


Sim, seremos todos esquecidos. É a vida e nada podemos fazer. O que nos parece importante, grave, pesado de consequências, um dia será esquecido e deixará de ter importância. E o curioso é que não podemos saber hoje o que um dia vamos considerar grande ou importante, medíocre ou ridículo. As descobertas de Copérnico, as de Colombo, não terão parecido, de início, inúteis, ridículas, enquanto se tomavam as elucubrações de um fenômeno qualquer pela própria verdade? É bem possível, portanto, que esta nossa vida de hoje, à qual emprestamos tanto valor, talvez seja um dia considerada estranha, desconfortável, sem inteligência, insuficientemente pura e - quem sabe? - até mesmo culpada... 

ANTON TCHEKHOV, As três Irmãs

A montanha mágica

 


Uma aliança? Não, ela não usa aliança; eu também já reparei nisso. Meu Deus, talvez não lhe assente bem, talvez lhe faça a mão larga demais. Ou pode ser que ela julgue o uso da aliança costume muito burguês. Andar assim com uma argola lisa no dedo – só falta o molho de chaves num cestinho... Não, senhor, ela é muito moderna para isso. Eu sei positivamente que todas as mulheres russas têm no seu modo de ser qualquer coisa de liberdade e desembaraço. E esse tipo de anel é tão prosaico, tão negativo! É, por assim dizer, um símbolo da servidão. Dá às mulheres um quê de freira, faz delas umas florzinhas não-me-toques. Não me admiro de que Mme.. Chauchat não queira ser assim... Uma mulher encantadora, na flor da idade!... Provavelmente não tem vontade nem vê motivos para mostrar os seus laços conjugais a todo cavalheiro que lhe aperte a mão... 


Thomas Mann, A Montanha Mágica 

 


Desânimo. Gosto de cigarro apagado. A sensação é a alma do mundo. A inteligência é uma sensação? Em Ângela é. Noto que os meus imitadores são melhores que eu. A imitação é mais requintada que a autenticidade em estado bruto. Estou com a impressão de que ando me imitando um pouco. O pior plágio é o que se faz de si mesmo. A luta é dura: se eu for fraco morro. 

Clarice Lispector

Um sopro de vida 

 


[54]

A personagem individual e imponente, que os românticos figuravam em si mesmos, várias vezes, em sonho, a tentei viver, e, tantas vezes, quantas a tentei viver, me encontrei a rir alto, da minha ideia de vivê-la. O homem fatal, afinal, existe nos sonhos próprios de todos os homens vulgares, e o romantismo não é senão o virar do avesso do domínio quotidiano de nós mesmos. Quase todos os homens sonham, nos secretos do seu ser, um grande imperialismo próprio, a sujeição de todos os homens, a entrega de todas as mulheres, a adoração dos povos, e, nos mais nobres, de todas as eras… Poucos como eu habituados ao sonho, são por isso lúcidos bastante para rir da possibilidade estética de se sonhar assim.

A maior acusação ao romantismo não se fez ainda: é a de que ele representa a verdade interior da natureza humana. Os seus exageros, os seus ridículos, os seus poderes vários de comover e de seduzir, residem em que ele é a figuração exterior do que há mais dentro na alma, mas concreto, visualizado, até possível, se o ser possível dependesse de outra coisa que não o Destino.

Quantas vezes eu mesmo, que rio de tais seduções da distração, me encontro supondo que seria bom ser célebre, que seria agradável ser ameigado, que seria colorido ser triunfal! Mas não consigo visionar-me nesses papéis de píncaro senão com uma gargalhada do outro eu que tenho sempre próximo como uma rua da Baixa. Vejo-me célebre? Mas vejo-me célebre como guarda-livros. Sinto-me alçado aos tronos do ser conhecido? Mas o caso passa-se no escritório da Rua dos Douradores e os rapazes são um obstáculo. Ouço-me aplaudido por multidões variegadas? O aplauso chega ao quarto andar onde moro e colide com a mobília tosca do meu quarto barato, com o reles que me rodeia, e me amesquinha desde a cozinha ao sonho. Não tive sequer castelos em Espanha, como os grandes espanhóis de todas as ilusões. Os meus foram de cartas de jogar, velhas, sujas, de um baralho incompleto com que se não poderia jogar nunca nem caíram, foi preciso destruí-los, com um gesto de mão, sob o impulso impaciente da criada velha, que queria recompor, sobre a mesa inteira, a toalha atirada sobre a metade de lá, porque a hora do chá soara como uma maldição do Destino. Mas até isto é uma visão improfícua, pois não tenho a casa de província, ou as tias velhas, a cuja mesa eu tome, no fim de uma noite de família, um chá que me saiba a repouso. O meu sonho falhou até nas metáforas e nas figurações. O meu império nem chegou às cartas velhas de jogar. A minha vitória falhou sem um bule sequer nem um gato antiquíssimo. Morrerei como tenho vivido, entre o bric-à-brac dos arredores, apreçado pelo peso entre os pós-escritos do perdido.

Leve eu ao menos, para o imenso possível do abismo de tudo, a glória da minha desilusão como se fosse a de um grande sonho, o esplendor de não crer como um pendão de derrota — pendão contudo nas mãos débeis, mas pendão arrastado entre a lama e o sangue dos fracos, mas erguido ao alto, ao sumirmo-nos nas areias movediças, ninguém sabe se como protesto, se como desafio, se como gesto de desespero. Ninguém sabe, porque ninguém sabe nada, e as areias engolfam os que têm pendões como os que não têm. E as areias cobrem tudo, a minha vida, a minha prosa, a minha eternidade.

Levo comigo a consciência da derrota como um pendão de vitória.


Bernardo Soares. Fernando Pessoa

Livro do Desassossego

quarta-feira, 22 de novembro de 2023


 Li o que havia escrito e de novo pensei: de que abismos violentos se alimenta a minha mais íntima intimidade, para que ela se negue a si mesma de tal forma e fuja para o domínio das ideias? Sinto em mim uma violência subterrânea, violência que só vem à tona no ato de escrever.

Clarice Lispector, Um sopro de vida 

 


Podes ficar aqui?

Não vás embora,

precisarei de mais alguns minutos,

horas, dias, semanas, meses, anos,

eternidades para te esquecer.


Fernando Pinto do Amaral


Deitas-te. Respiras-me. A terra começa a tremer.

Casimiro de Brito


 Para prender o outro é preciso aprendê-lo.

Casimiro de Brito


 Amo-te. E é como se dançasse com uma ilha.

Casimiro de Brito

 


Amar é morrer com alegria.

Casimiro de Brito

 


I.

Enquanto leio meus seios estão a descoberto. É difícil concentrar-me ao ver os bicos. Então rabisco as folhas deste álbum. Poética quebrada pelo meio.

II.

Enquanto leio meus textos se fazem descobertos. É difícil escondê-los no meio dessas letras. Então me nutro das tetas dos poetas pensados no meu seio.

Ana Cristina César

terça-feira, 21 de novembro de 2023


 A personagem individual e imponente, que os românticos figuravam em si mesmos, várias vezes, em sonho, a tentei viver, e, tantas vezes quantas a tentei viver, me encontrei a rir alto da minha ideia de vivê-la. O homem fatal, afinal, existe nos sonhos próprios de todos os homens vulgares, e o romantismo não é senão o virar do avesso do domínio quotidiano de nós mesmos. Quase todos os homens sonham, nos secretos do seu ser, um grande imperialismo próprio, a sujeição de todos os homens, a entrega de todas as mulheres, a adoração dos povos, e, nos mais nobres, de todas as eras... Poucos como eu habituados ao sonho, são por isso lúcidos bastante para rir da possibilidade estética de se sonhar assim.

A maior acusação ao romantismo não se fez ainda: é a de que ele representa a verdade interior da natureza humana. Os seus exageros, os seus ridículos, os seus poderes vários de comover e de seduzir, residem em que ele é a figuração exterior do que há mais dentro na alma, mas concreto, visualizado, até possível, se o ser possível dependesse de outra coisa que não o Destino.

Quantas vezes eu mesmo, que rio de tais seduções da distracção, me encontro supondo que seria bom ser célebre, que seria agradável ser ameigado, que seria colorido ser triunfal! Mas não consigo visionar-me nesses papéis de píncaro senão com uma gargalhada do outro eu que tenho sempre próximo como uma rua da Baixa. Vejo-me célebre? Mas vejo-me célebre como guarda-livros. Sinto-me alçado aos tronos do ser conhecido? Mas o caso passa-se no escritório da Rua dos Douradores e os rapazes são um obstáculo. Ouço-me aplaudido por multidões variegadas? O aplauso chega ao quarto andar onde moro e colide com a mobília tosca do meu quarto barato, com o que me rodeia, e me amesquinha desde a cozinha […] ao sonho. Nao tive sequer reles castelos em Espanha, como os grandes espanhóis de todas as ilusões. Os meus foram de cartas de jogar, velhas, sujas, de um baralho incompleto com que se não poderia jogar nunca; nem caíram, foi preciso destruí-los, com um gesto de mão, sob o impulso impaciente da criada velha, que queria recompor sobre a mesa inteira a toalha atirada sobre a metade de lá, porque a hora do chá soara como uma maldição do Destino. Mas até isto é uma visão improfícua, pois não tenho a casa de província, ou as tias velhas, a cuja mesa eu tome, no fim de uma noite de família, um chá que me saiba a repouso. O meu sonho falhou até nas metáforas e nas figurações. O meu império nem chegou às cartas velhas de jogar. A minha vitória falhou sem um bule sequer nem um gato antiquíssimo. Morrerei como tenho vivido, entre o bric-à-brac dos arredores, apressado pelo peso entre os postscriptos do perdido.

Bernardo Soares (Fernando Pessoa)

Livro do Desassossego

 


Assim como o viajante só tem uma visão completa dos caminhos que seguiu, com seus rodeios e sinuosidades, quando chega ao topo da colina, apenas no fim de um período de nossa existência, e às vezes da vida inteira, reconhecemos a verdadeira conexão entre nossas ações, conquistas e obras, sua exata consistência, sua concatenação e seu valor. Com efeito, enquanto estamos absortos em nossa atividade, trabalhamos somente de acordo com as propriedades fixas de nosso caráter, sob a influência dos motivos e dentro dos limites de nossas faculdades, isto é, por uma necessidade absoluta, visto que não fazemos, em um dado momento, senão o que naquele momento nos parece correto e conveniente. Somente o porvir nos permite vislumbrar o resultado; e apenas quando lançamos um olhar retrospectivo ao todo do curso da vida que nos é revelado o como e o porquê  desta. 

Arthur Schopenhauer, Aforismos para a sabedoria de vida

segunda-feira, 20 de novembro de 2023


 «Cada cual se forja su mundo. Mi mundo es esta habitación. Fuera de ella está lo desconocido, lo indiferente, que no tengo deseos de explorar. Acá es donde siento la limitación. Acá es donde veo lo vano de los esfuerzos humanos. De pronto, me asalta la idea de vivir. Me pregunto si vivo. No sé qué es vivir. Además, al estar acá, respondo a mis necesidades. Necesito de esta soledad llena de libros, de música, de humo y café. ¡Vivir! Supongo que «vivir la vida» significa gozarla. Pues mi goce es este.»

— Alejandra Pizarnik | Diarios

Cada qual forja o seu mundo. Meu mundo é este quarto. Fora dela está o desconhecido, o indiferente, que não tenho vontade de explorar. Aqui é onde eu sinto a limitação. É aqui que eu vejo o vão dos esforços humanos. De repente, a ideia de viver me agrediu. Será que estou vivo? Não sei o que é viver. Além disso, ao estar aqui, respondo às minhas necessidades. Preciso dessa solidão cheia de livros, música, fumaça e café. Viver! Acho que "viver a vida" significa desfrutá-la. Pois a minha alegria é esta. 


Depois de amada, estendeu seu corpo ainda tremendo. Quase chorava de tanto que expulsou. Quase chorava de tanto que se recebeu de volta. Não me aproximei. Não podia interferir em sua solidão. Dizer o quê? Seus músculos ainda estalavam, o sangue ainda aquecia  os ouvidos. Dizer o quê?  Qualquer palavra é intrusa. A boca eram seus cabelos boiando. Dizer o quê?  O homem deveria distanciar depois que a mulher goza. Não tomar para si a glória ou o prazer. Não reivindicar autoria. Não sujar a parede com a sua letra. Não cobrar o que não nasceu dele. Deveria ter pudor de pálpebras que se fecham para imaginar.

É ela e seu corpo redimidos.

É ela e seu corpo abraçados.

É ela e seu corpo alinhados como joelhos.

É ela devolvida a si, devolvida às alegrias proibidas, as alegrias quando se tocava em segredo.

É ela e os medos superados, a culpa liquidada, os seios observando as janelas.

A rua da cintura, e a chuva, para não andar, para ficar debaixo das marquises esperando passar.

O homem deveria sentar numa cadeira ao longe, como se fosse um milagre e lhe faltasse fé para  reconstituir os detalhes.

O homem não deveria estragar com a sua presença aquele momento, mas silenciar, esquecer os  comentários, jejuar os dentes, reprimir o ímpeto.

Nenhuma brincadeira, nenhuma certeza, nenhuma crença.

É difícil desaparecer, sei que é difícil.

Homem, não lhe resta outra opção!

Desapareça estando ali. Nenhum movimento brusco, não procurar água, a sede, o casaco.

Desapareça aos poucos para que ela, enfim, se veja dançando para Deus.


 Fabrício Carpinejar – Do livro –“ O amor esquece de começar”


 Dentro das Circunstâncias

espaço, ocupo pouco

e uma certa letargia nos movimentos

já não se fala mais como antigamente

mas todos ganham mais dinheiro.

E se fazem intervalos

se criam movimentos débeis

tanta gente falando em viver.

Saber. Não sei de nada.

Deveriam olhar mais pros bichos

e aprender com eles.

Que esta racionalidade

parece não estar dando certo.

Espaço ocupo pouco

e mal me cabe dentro

tudo o que me mostram

e o que me fazem ouvir.


Bruna Lombardi

 


Assim como o viajante só tem uma visão completa dos caminhos que seguiu, com seus rodeios e sinuosidades, quando chega ao topo da colina, apenas no fim de um período de nossa existência, e às vezes da vida inteira, reconhecemos a verdadeira conexão entre nossas ações, conquistas e obras, sua exata consistência, sua concatenação e seu valor. Com efeito, enquanto estamos absortos em nossa atividade, trabalhamos somente de acordo com as propriedades fixas de nosso caráter, sob a influência dos motivos e dentro dos limites de nossas faculdades, isto é, por uma necessidade absoluta, visto que não fazemos, em um dado momento, senão o que naquele momento nos parece correto e conveniente. Somente o porvir nos permite vislumbrar o resultado; e apenas quando lançamos um olhar retrospectivo ao todo do curso da vida que nos é revelado o como e o porquê  desta. 

Arthur Schopenhauer, Aforismos para a sabedoria de vida

domingo, 19 de novembro de 2023


 O templo está fechado para quem não

conhece a entrada. Mas as suas portas

são o céu, e as mãos que afastam o vestido

como se abrissem as nuvens

sabem por onde se entra.


Nuno Júdice 

 


Yes, life has to go on, and I suppose a cup of tea does make it seem to be doing that more than anything

 


Quando um homem está apaixonado 

Como pode usar velhas palavras? 

Deveria a mulher a quem desejada 

Deitar-se com gramáticos e linguistas? 

Eu não digo nada a mulher amada 

Mas concentraria palavras de amor numa bolsa 

E viajaria por todos os idiomas 

Por louvor ao seu corpo. 


Nizar Kabanni

sábado, 18 de novembro de 2023


 dar nome certo às coisas 

constatar e não julgar 

Epitecto


 A cor do sábado é inspirada. Pequenos peixes improvavelmente

florescem dos teus gestos, o teu corpo extasiado está ainda na

minha memória e já não é corpo, é memória. Oiço o destino 

como se ouvem os guisos, os sinos e o vento. Sei que guardas pa-

lavras minhas nos cabelos, as que não couberam na tua cabeça

mas que já estavam grávidas de amor. 

Essas palavras são o meu ofício e a minha fala. Não poderei re-

peti-las. Pertencem a um momento único, filhas de um fogo puro,

intenso e imenso. 

Com o barro da sombra vou fazer o sol, construir a casa para ti, 

para a tua ausência. Pintá-la com a cor deste sábado, madura e 

abundante. Vou escrever o mundo e inscrever-te nele, como se, 

antes de nós, o mundo não tivesse existido.


Joaquim Pessoa

 


um dia a gente acorda

e a saudade não está aqui 

é o começo do esquecimento


Zack Magiézi

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

 


Se puderes aceitar a nudez 

como uma graça ou uma pobreza

talvez encontres

as linhas de força inexplicadas.

Se com o teu peso irremediável,

proferires a palavra que mal pousa

poderás sustentar a magnética felicidade

desse instante, 

ameaçado mas vivo,

do indecifrável silêncio da nudez.


António Ramos Rosa


Só o amor conserva.

Casimiro de Brito


Um bago de uva? Não, o bico do teu seio!

Casimiro de Brito

 


Amar-te é uma obra de arte.

Casimiro de Brito

 


Não te chamo para te conhecer

Eu quero abrir os braços e sentir-te

Como a vela de um barco sente o vento


Não te chamo para te conhecer

Conheço tudo à força de não ser


Peço-te que venhas e me dês

Um pouco de ti mesmo onde eu habite


Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, 16 de novembro de 2023


 gosto dessa poesia

que é como um vaso antigo

que esteve anos

parado no mesmo lugar 

e hoje você reparou

na beleza dele

gosto dessa poesia 

que chega em silêncio 

e nos faz enxergar a beleza

naquilo que nos cerca

todos os dias


zack magiezi


 Entraste na casa do meu corpo,

desarrumaste as salas todas

e já não sei quem sou, onde estou.

O amor sabe. O amor é um pássaro cego

que nunca se perde no seu voo. 


Mario Cesariny

Voragem


 Não sei desta voragem

no teu corpo

esta espécie de odor

ou de viagem

não sei deste sabor

ou desta cinza

desta aguda lentidão

camuflada

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

O mundo de Sofia – Espinosa


– Mas você vai pelo menos responder a uma última pergunta. Imagine duas árvores bem antigas num grande jardim. Uma cresceu num local ensolarado, com acesso a um solo fértil e água em abundância. A outra, num solo estéril, sob a sombra. Qual delas, você acha, é a árvore maior? E qual delas terá dado mais frutos?

– Claro que a árvore que teve as melhores condições.

– Segundo Espinosa, essa é a árvore livre. Ela teve liberdade total para desenvolver suas possibilidades intrínsecas. Se, porém, se tratar de uma macieira, ela não terá tido possibilidade de dar peras ou ameixas. O mesmo vale para nós, seres humanos. Podemos retardar nosso desenvolvimento e nosso crescimento pessoal, por exemplo, devido a condições políticas. Pressões externas são capazes de nos tolher. Somente quando “libertamos” as possibilidades que nos são inatas é que vivemos como homens livres. Mas somos tão governados pelo nosso potencial interno e pelas circunstâncias exteriores quanto aquele menino da Idade da Pedra no vale do Reno, o leão na África ou a macieira no jardim.

– Já estou prestes a desistir.

– Espinosa enfatiza que somente um único ser é “causa completa e absoluta” de si mesmo e pode agir em total liberdade. Só Deus ou a natureza é a manifestação livre, “não causal”, desse processo. Um homem pode até aspirar à liberdade de viver imune às atribulações externas. Mas jamais vai experimentar de fato o “livre-arbítrio”. Não podemos determinar tudo que acontece com nosso próprio corpo, que é um modus do atributo extensão. E não possuímos uma “alma livre”, que de resto está aprisionada em um corpo mecânico.


Jostein Gaarder, O mundo de Sofia 


 Podes ficar aqui?

Não vás embora,

precisarei de mais alguns minutos,

horas, dias, semanas, meses, anos,

eternidades para te esquecer.


Fernando Pinto do Amaral


São feitas de palavras as palavras

e da melancolia da 

ausência da prosa e da ausência da poesia.


É o que falta que fala

do lugar do exílio

do sentido e da falta de sentido.


Tudo o que te disser

tudo o que escrever

sou eu a perder-te,


cada palavra entre

o que em mim é corpo

e é nela sopro.


 Manuel António Pina

 


Livra-me dos mundos nascidos do ódio, salva-me da negra infinitude sob a qual morrem meus céus. Acende um raio de luz nesta noite e que saiam as estrelas perdidas na densa névoa de minha alma. Mostra-me o caminho para mim mesmo, abre-me uma senda em minha espessura. Desce em mim com o sol e dá início a meu mundo.

Emil Cioran (In: "O Livro das Ilusões")



nasce agora. meu amor. absorve o hálito. de tudo o que é começo. a primeira ranhura. do ar. a primeiro desfalecimento. do olhar. o novelo da chuva. o sangrar. das fontes. grava. no cordão umbilical. as iniciais do meu nome. o mesmo tipo de letra. do cinto que compraste. para me trazeres afivelada a ti. vem para a rua. perde-te. diz-me que não consegues governar as mãos. ignora as fronteiras. do razoável. faz de conta. que ainda não aprendeste a viver. a desilusão. a tristeza. marca comigo. o encontro inicial. sente como é. o estalar do sangue no rosto. o que é não saber. pronunciar ainda: gosto-te. dá-me. a provar o suor dos ombros. antes de nomeares o que quer que seja. deixa as lágrimas despenharem-se. chora. o alegre arrepio. o meu corpo. o teu corpo. ainda estão. por desalfandegar. entregamo-nos. no porão escuro. à festa tribal.ao contrabando das carícias. no alto mar. onde. ainda. não há leis. nem rótulos. que restrinjam. o desembarque. dos amantes. sem vínculo. nasce agora. meu amor. e. de olhos fechados. toca-me. antes que o conhecimento. envelheça o desejo.


Alberto Serra 



já leste as notícias hoje?


sim. li 

na primeira página 

do teu corpo. 

que o mundo

ia acabar.

colei-me à pele 

à escuta

do noticiário 

em onda curta. 

se chegares 

embrulhada em jornal 

de parede

antes da catástofre

talvez ainda

vá a tempo

de estrangular

as gargantas

de fogo.

e ler-te 

de alto a baixo

com lentes

de copista.



adorava ser lida assim

mas só se for

uma reportagem nocturna

sim.

ler-te à noite.

na hora nervosa

do fecho dos jornais

quando os ardinas

atam nós

em múltiplas

oferendas

de notícias.

a última hora

em tinta

fresca.


Alberto Serra 

segunda-feira, 13 de novembro de 2023


talvez não fosse para ser dito assim,
em conversas breves de longas frases, e nem
o que se diz se ouve como deve ser nem o que é
devia ser dito. Talvez não fosse para pôr
uma adversativa à cabeça, como se o chapéu
não pudesse esconder o pensamento, ou
o que se pensa não coubesse na própria cabeça,
e saísse pelos olhos para que todos o vissem. Mas
o que é dito assim, e não se esconde, tem
a cor desses olhos, é húmido como esses lábios,
tem a brancura da pele que se toca quando
as conversas se acabam, e as longas frases
ficaram pequenas a esta distância em que
as lembro, sem o peso do tempo, sem
a distração das mãos.

Nuno Júdice 


 Se um dia me vires triste,

Não me digas nada.

Apenas ama-me.

Se você me conhecer

Enquanto estou sozinho na noite escura,

Não me peças nada.

Anda comigo.

Se olhares para mim sem que eu te veja,

Não penses em nada.

Por favor, não me entenda mal.

Se é o amor que vc precisa

Não tenhas medo,

Ama-me.

Depois, quando te cansares de mim,

Não digas nada.

Mas, por favor, lembra-te de mim.


Nizar Kabbani


 Algo nos cria e nos liberta dos absurdos cercos.

Despertámos para tocar a boca esquecida pela noite.

Somos a folhagem e o espaço, somos uma garganta fresca.

As sombras aquecem-nos e as estrelas visitam-nos.

O meu corpo é de argila estou vivo e aceito o dia.


António Ramos Rosa, in "corpo de argila" 


 "Quem possui a faculdade de ver a beleza não envelhece."

(der sich die Fähigkeit erhält, das Schöne zu erkennen, wird nie alt werden.)


 Franz Kafka

domingo, 12 de novembro de 2023


Não pense como os seres civilizados, 

Não quero você pensando como os civilizados 

A civilização perdeu seus instintos 

Ama-me como um terremoto 

Como a morte inesperada 

Deixe seus seios arderem em brasa, 

Ataca-me como uma loba faminta e perigosa (...)


Nizar Kabanni


 «Pero cuando vea al mar. Cuando contemple sus extrañas olas que danzan y arrojan espuma. Yo veré el mar. Un verde infinito perfumará mis ojos. El mar. El mar y su tiempo preñado de pequeños tiempos, y su canto caído del infierno, su humilde reconciliación de tierra y cielo. Mon Dieu… Y cómo me desnudarán las aguas, y cómo me acariciarán. El mar. El mar o la salvación. El mar y su retorno a sí mismo, a un sí mismo que no es mar, que no es nada».

Alejandra Pizarnik - Diarios