quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Como se Faz uma Declaração de Amor?



Mas então como se faz uma declaração de amor? Em papel selado, na presença de um advogado. Por que não? As piores declarações são as pífias e clandestinas, do gênero «Acho-te uma pessoa muito interessante». As melhores são aquelas que comprometem quem as faz, que se baseiam em provas capazes de serem apresentadas em tribunal, que fazem corar as testemunhas. As declarações do tipo «Experimentar-a-ver-se-dá» nunca dão. É melhor mandar imprimir 2000 folhetos e distribuí-los por avioneta à população, devidamente identificados, do que um bilhetinho anônimo de «um admirador». As declarações de amor têm de cortar a respiração de quem as recebe, têm de rebentar na cara de quem as lê. O amor e o terrorismo são questões de objetivo, e não de grau. 

Miguel Esteves Cardoso, in 'Os Meus Problemas'

Essa tal tristeza profunda que não passa...


Você pode não saber, mas você morreu. Morreu para aquela velha vida que já não pode ser vivida. Morreu porque já não pode mais encenar o seu papel de trouxa no palco do mundo. Morreu porque entendeu o porquê de tudo e compreendeu como funcionam as engrenagens que movem a vida das pessoas que te cercam.

Estraçalhado.

Você afundou em um oceano de dor e sofrimento. Cada passo dado foi como se tivesse caminhado com a água pelo joelho em direção a um turbulento abismo de incertezas e confusão. Na verdade tudo o que queria era entrar naquele trem velho que o levasse rumo ao fim da noite. Que pudesse sentir, finalmente, aquela sensação de que o término da tristeza estava próximo.

Você foi reduzido lentamente a nada. Sentiu-se zerado, fulminado, desacreditado, envergonhado de si próprio. É como se um maçarico de solda lhe queimasse com violência e você percebesse latejar até o ponto em que já não pudesse sentir mais nada, de tanta dor.

É como se quatro lanças lhe espetassem lentamente. Como se estivesse em vias de ser esquartejado. Como se cada braço e cada perna estivesse atado a um cavalo pronto para correr em disparada após um sinal. Esteve frente a frente com a iminência da dor, do fim.

Rolou na cama por noites. Ligou e desligou o celular. O dia mais ensolarado parecia o mais glacial dos invernos na estação da sua vida. Dançou uma dança triste. Sentiu o vento frio bater no rosto. Seus sonhos foram despedaçados e a sua esperança partida em duas.

As pessoas desapareceram, assim como as estrelas do céu. Você foi encoberto pela mais temível nebulosidade. Não ouviu ninguém falar nada, mas no fundo sabia que para eles você se converteu em uma enorme pedra, num grande peso insustentável.

Você chegou ao ponto de se sentir tão só que até mesmo as suas lágrimas lhe abandonaram. É como se o mundo tivesse lhe empurrado para baixo de um tapete de remorsos e sentimentos confusos.

Você sabe que o caminho para a luz é longo e talvez você sinta que não tem forças suficientes para sair desta penumbra. Durante tudo isso, um único pensamento que não cessa: quando essa noite eterna vai acabar?

Você resistiu bravamente. As vezes acordava pela manhã e não sentia a menor vontade de levantar da cama. É como se a noite não acabasse nunca.

Você pode não saber, mas você morreu.

Morreu para aquela velha vida que já não pode ser vivida. Morreu porque já não pode mais encenar o seu papel de trouxa no palco do mundo. Morreu porque entendeu o porquê de tudo, compreendeu como funcionam as engrenagens que movem a vida das pessoas que te cercam. A tristeza é o seu eu-superior que está em luto. Em luto pela falsidade, pelos sentimentos efêmeros, pela falta de amor próprio, pelo eu fugidio, pela dolorosa percepção de que as verdades nas quais acreditava simplesmente morreram e, suas lágrimas nada mais são do que a emoção incontida por alguém que vela um corpo sem vida.

E sabe o que vai acontecer agora? Você submergiu no mais profundo dos poços e não conseguirá cavar mais. Toda a força que resta é para subir. Vai demorar um pouco e não vai ser fácil. Mas você precisa encontrar a saída porque necessita respirar. Toda essa descida não foi nada menos que um doloroso entendimento que vai ser o responsável pelo seu renascimento.

Quando você chegar lá em cima, vai olhar para si próprio e vai perceber a roupa puída, os arranhões nos braços e vai sorrir. Vai sorrir porque está vivo e, sobretudo, porque você já não é mais a mesma pessoa. O seu antigo eu morreu e você acaba de acordar neste exato momento.

Wellington Freire

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Albert Camus



"Não sou filósofo, só sei falar do que vivi”

"Não se separar do mundo. Não se desperdiça a vida quando ela é conduzida sob a luz” – Cadernos 1935-1937

"Numa esquina qualquer, o sentimento do absurdo pode bater no rosto de um homem qualquer. Tal como é, em sua nudez desoladora, em sua luz sem brilho” –  O Mito de Sísifo

"O homem absurdo não pode fazer outra coisa senão esgotar tudo e se esgotar” –  O Mito de Sísifo

"Sentir o máximo possível sua vida, sua revolta, sua liberdade, é viver o máximo possível” –  O Mito de Sísifo

"Um pouco de pensamento afasta da vida, mas muito pensamento, retorna a ela” – O Mito de Sísifo

“O futuro é a única transcendência dos homens sem deus”  o Homem Revoltado

"Quando se está seguro de que o amanhã, na própria ordem do mundo, será melhor do que hoje, é possível divertir-se em paz. O progresso, paradoxalmente, pode servir para justificar o conservantismo. Letra sacada contra a confiança no futuro, ele autoriza, desta forma, a boa consciência do senhor. Ao escravo, àquele cujo presente é miserável e que não têm nenhum consolo no céu, assegura-se que o futuro, pelo menos, é deles. O futuro é a única espécie de propriedade que os senhores concedem de bom grado aos escravos” – O Homem Revoltado

"Se a única esperança do niilismo reside no fato de que milhões de escravos possam um dia constituir uma humanidade emancipada para sempre, a história não passa de um sonho desesperado. O pensamento histórico devia livrar o homem do jugo divino; mas essa liberação exige dele a submissão absoluta ao devir” –  O Homem Revoltado

"A revolta em conflito com a história acrescenta que, em vez de matar e morrer para produzir o ser que não somos, temos que viver e deixar viver para criar o que somos” –  O Homem Revoltado

Albert Camus


Estão Todas as Verdades à Espera em Todas as Coisas


Wladyslaw Czachorski 


Estão todas as verdades 
à espera em todas as coisas: 
não apressam o próprio nascimento 
nem a ele se opõem, 
não carecem do fórceps do obstetra, 
e para mim a menos significante 
é grande como todas. 
(Que pode haver de maior ou menor 
que um toque?) 

Sermões e lógicas jamais convencem 
o peso da noite cala bem mais 
fundo em minha alma. 

(Só o que se prova 
a qualquer homem ou mulher, 
é que é; 
só o que ninguém pode negar, 
é que é.) 

Um minuto e uma gota de mim 
tranquilizam o meu cérebro: 
eu acredito que torrões de barro 
podem vir a ser lâmpadas e amantes, 
que um manual de manuais é a carne 
de um homem ou mulher, 
e que num ápice ou numa flor 
está o sentimento de um pelo outro, 
e hão-de ramificar-se ao infinito 
a começar daí 
até que essa lição venha a ser de todos, 
e um e todos nos possam deleitar 
e nós a eles. 

Walt Whitman, in "Leaves of Grass" 


Vladimir Volegov

El cuerpo canta;
la sangre aúlla;
la tierra charla;
la mar murmura;
el cielo calla
y el hombre escucha.

O corpo canta;
o sangue ulula;
a terra fala;
o mar murmura;
o céu se cala
e o homem escuta.


Miguel de Unamuno: "El cuerpo canta" / "O corpo canta": trad. Antonio Cicero


"Quando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo - uma alma - se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que fui ou o que julguei ser. E realize o que eu não pude: conhecer-me."


Florbela Espanca, Afinado desconcerto: contos, cartas, diário