sábado, 28 de agosto de 2021

Demian - Herman Hesse

 


"Não creio ser um homem que saiba. Tenho sido sempre um homem que busca, mas já agora não busco mais nas estrelas e nos livros: começo a ouvir os ensinamentos que o meu sangue murmura em mim. Não é agradável a minha história, não é suave e harmoniosa como as histórias inventadas; sabe a insensatez e a confusão, a loucura e o sonho, como a vida de todos os homens que já não querem mais mentir a si mesmos."(pág. 16)

“Se não passássemos de indivíduos isolados, se cada um de nós pudesse realmente ser varrido por uma bala de fuzil, não haveria sentido algum em relatar histórias. Mas cada homem não é apenas ele mesmo; é também um ponto único, singularíssimo, sempre importante e peculiar, no qual os fenômenos do mundo se cruzam daquela forma uma só vez e nunca mais.” (pág. 20)

"Pela primeira vez saboreei a morte. Tinha um gosto amargo. Pois a morte é nascimento, é angústia e medo ante uma renovação aterradora." (pág. 32)

"Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo."(pág. 62)

“[...] quando intentas algo que te é ordenado de dentro do teu próprio ser, acabas por consegui-lo e podes atrelar tua vontade como se fosse um animal de tiro.” (pág. 76)

"Sempre é bom termos consciência de que dentro de nós há alguém que tudo sabe..." (pág. 106)

"Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade a conduzem a isso." (pág. 118)

“Por esses dias, o "acaso", conforme se diz, conduziu-me a um estranho refúgio. Mas o acaso não existe. Quando alguém encontra algo de que verdadeiramente necessita, não é o acaso que tal proporciona, mas a própria pessoa; seu próprio desejo e sua própria necessidade a conduzem a isso.” (pág. 119)

“Não creio que se possam considerar homens todos esses bípedes que caminham pelas ruas, simplesmente porque andam eretos ou levem nove meses para vir à luz. Sabes muito bem que muitos deles não passam de peixes ou de ovelhas, vermes ou sanguessugas, formigas ou vespas. Todos eles revelam possibilidades de chegar a ser homens, mas só quando vislumbram e aprendem a levá-las em parte à sua consciência é que se pode dizer que possuem uma...” (pág. 127)

“Quando odiamos um homem, odiamos em sua imagem algo que trazemos em nós mesmos. Também o que não está em nós mesmos nos deixa indiferentes.” (pág. 135)

"O que verdadeiramente me fazia bem era o progresso do conhecimento de mim mesmo, minha confiança crescente em meus próprios sonhos, ideias e intuições; a revelação, a cada dia mais clara, do poder que em mim mesmo levava."(pág. 142)

"Tudo seguia padrões rígidos, todos faziam as mesmas coisas, e a calorosa alegria das faces juvenis tinha a mesma expressão lamentavelmente vazia e impessoal." (pág. 154)

"Em toda parte era o mesmo! Todos os homens buscavam a "liberdade" e a "felicidade" num ponto qualquer do passado, só de medo de ver erguer-se diante deles a visão da responsabilidade própria e da própria trajetória."(pág. 159)

"Nunca se chega ao porto. Mas quando duas rotas amigas coincidem, o mundo inteiro parece então o anelado porto." (pág. 162)

"Tudo o que me era importante, tudo o que para mim era destino, podia adquirir sua figura. Podia transformar-se em cada um de meus pensamentos, e cada um de meus pensamentos transformar-se nela." (pág. 172)

"Ela era o mar e eu o rio que nele desembocava. Era uma estrela e eu outra que marchava em sua direção. Encontrávamo-nos e nos sentíamos mutuamente atraídos, permanecíamos juntos e girávamos felizes por toda a eternidade em círculos muito próximos e vibrantes, um ao redor do outro." (pág. 173)

"Antes me havia perguntado muitas vezes por que eram tão poucos os homens que conseguiam viver por um ideal. Agora percebia que todos os homens eram capazes de morrer por um ideal. Mas não por um ideal seu, livremente escolhido, mas por um ideal comum e transmitido." (pág. 184)

Herman Hesse, Demian

Sonho

Miriam Briks


A forma que o sonho adquire fica presa

nas mãos, de onde se solta à medida que a noite

avança. E se os olhos estão fechados, é porque

isso é necessário para que se possa ver

a única paisagem que importa: um comboio

de palavras que avança nas linhas da vida,

atirando para o céu do futuro um fumo

de imagens. O poema captá-las-á; e

poderás acordar, então, vendo que o sono

serviu para alguma coisa.


Nuno Júdice 

Nydia Lozano 


 Um poema, dizes, em que

o amor se exprima, tudo

resumindo em palavras.

Mas o que fica

nas palavras

daquilo que se viveu?

Um pó de sílabas,

o ritmo pobre da

gramática, rimas sem nexo…


Nuno Júdice


OK, SOU CIUMENTO

Konstantin Razumov

não é por não dizer que eu não o tenha

(se digo, mais ridículo me vejo).

eu morro quando alguém te deixa um beijo,

ou algo te insinua, tipo senha.


é um 'soco em meu estômago'. é lenha

saber que alguém deseja o que eu desejo

— disfarço com desdém, algum bocejo...

depois me desmorono — mas, convenha:



por que me és tão linda, linda minha?

por que me és tão minha, minha linda?

(vai, diz que o meu ciúme é babaquice...)



confesso. e nem metade do que eu tinha

a dizer, disse. a lista é quase infinda.

é só para que saibas. pronto, disse.


Antoniel Campos

razumov


 As coisas pequenas

em grande as vou viver —

teu corpo a dançar!


Casimiro de Brito

Roberto-Ferri


Se não te amar, não amarei. Se não me amares, não serei amado. Sou o espelho da tua alma alvoraçada. O único de verdade onde te podes reconhecer e por fim encontrar. Antes de ti não sabia quem era, andava no escuro à tua procura. Quando te vi, foi a mim que vi: uma mesma melancolia nos olhos, um sorriso a fazer pouco do mundo, uma maneira de andar como senão tocasses o chão com os pés. Tinhas menos vinte anos, a vida por fazer, a certeza de que os dois seríamos um só que nada nem ninguém poderia afastar. O amor, o meu outro eu. Sim, meu amor, eu sou tu e tu és eu. Vem daqui a inexpugnável, embora inverificável, certeza que tinhas de ser tu, só tu, que não podia ser mais ninguém. Senão seria outro, sem saber quem seria, perdido o meu nome. Tu eras o que vem, o futuro que abre o presente. Se não fosses tu não valia a pena.

Amo-me ainda quando te amo.


Pedro Paixão


 

Ron Rics


Apaixonar-se é individualizar alguém pelos signos, aprendê-los (como a individualização de Albertina no grupo de jovens). É possível que a amizade se nutra de observação e de conversa, mas o amor nasce e se alimenta de interpretação silenciosa. O ser amado aparece como um signo, uma "alma": exprime um mundo possível, desconhecido de nós.

Gilles Deleuze


 

Yuri Krotov.


Não sei de amor senão o amor perdido

O amor que só se tem de nunca o ter

procuro em cada corpo o nunca tido

e é esse que não para de doer.

Não sei de amor senão o amor ferido

de tanto te encontrar e te perder.


Yarek GODFREY 

Não sei de amor senão o não ter tido

teu corpo que não cesso de perder

nem de outro modo sei se tem sentido

este amor que só vive de não ter

o teu corpo que é meu porque perdido

não sei de amor senão esse doer.

Rosanna Miccolis

Não sei de amor senão esse perder

teu corpo tão sem ti e nunca tido

para sempre só meu de nunca o ter

teu corpo que me dóis no corpo ferido

onde não deixou nunca de doer

não sei de amor senão o amor perdido.


vidan

Não sei de amor senão o sem sentido

deste amor que não morre por morrer

o teu corpo tão nu nunca despido

o teu corpo tão vivo de o perder

neste amor que só é de não ter sido

não sei de amor senão esse não ter.

Serge Marshennikov

Não sei de amor senão o não haver

amor que dure mais que o nunca tido.

Há um corpo que não para de doer

só esse é sempre meu de nunca o ser

não sei de amor senão o amor ferido.


vicente romero


Não sei de amor senão o tempo ido

em que amor era amor de puro arder

tudo passa mas não o não ter tido

o teu corpo de ser e de não ser

só esse é amei por nunca ter ardido

não se de amor senão esse perder.



Cintilante na noite um corpo ferido

só nele de o não ter tido eu hei-de arder

não sei de amor senão amor perdido


Manuel Alegre

 

 Serguei Toutounov


Ele era um andarilho.

Ele tinha um olhar cheio de sol

de águas

de árvores

de aves.

Ao passar pela Aldeia

Ele sempre me pareceu a liberdade em trapos.

O silêncio honrava a sua vida.


Manoel de Barros in: Poemas Rupestres

 

Domingo Alvarez Gomez


Deixei atrás os erros do que fui,

Deixei atrás os erros do que quis

E que não pude haver porque a hora flui

E ninguém é exato nem feliz.


Fernando Pessoa


 Pedro Alexandrino Borges


Let me take you down
‘cause I’m going to strawberryfields
nothíng is real, and nothing to get hung about
strawberryfieldsforever

Abriu os dedos. Absolutamente calmo, absolutamente claro, absolutamente só enquanto considerava atento, observando os canteiros de cimento: será possível plantar morangos aqui? Ou se não aqui, procurar algum lugar em outro lugar? Frescos morangos vivos vermelhos.
Achava que sim.
Que sim.
Sim.


Caio Fernando Abreu

O espelho



Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.

Mia Couto, O Espelho

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Um poema



Em plena luta de classes
escreveu um poema de amor.

Acossado pela fome de justiça
escreveu um poema de amor.

Entre a tortura e a morte
escreveu um poema de amor.

Entre o sangue e as balas
escreveu um poema de amor.

um poema de amor para ninguém,
para uma mulher que não existia.

Agora,
amado até à raiz da sua sombra
por esta mulher que lhe beija as feridas,

agora,
que na noite gelada ela o cobre com o seu corpo nu,
arma-se com papel e lápis
salta da cama
e sem perturbar o sono da sua amada
escreve um poema social

um poema estremecido por lutas e batalhas
um poema por cujos versos passam
pedindo justiça
as massas camponesas e operárias.


Joaquim Pessoa

domingo, 15 de agosto de 2021

Serge Marshennikov

 

Na tua pele toda a terra treme

alguém fala com Deus alguém flutua

há um corpo a navegar e um anjo ao leme.


Das tuas coxas pode ver-se a Lua

contigo o mar ondula e o vento geme

e há um espírito a nascer de seres tão nua…


Manuel Alegre


Espera



Dei-te a solidão do dia inteiro.

Na praia deserta, brincando com a areia,

No silêncio que apenas quebrava a maré cheia

A gritar o seu eterno insulto,

Longamente esperei que o teu vulto

Rompesse o nevoeiro.


Sophia de Mello Breyner Andersen

Dance universe



When you dance the whole universe dances.

All the realms spun around you in endless celebration.

Your soul loses its grip.

Your body sheds its fatigue.

Hearing my hands clap and my drum beat,

You begin to whirl.


Rumi poem translated by Shahram Shiva

 

vicente romero


A poesia é, de fato, o fruto

de um silêncio que sou eu, sois vós,

por isso tenho que baixar a voz

porque, se falo alto, não me escuto.


A poesia é, na verdade, uma

falta ao revés da fala,

como um silêncio que o poeta exuma

do pó, a voz que jaz embaixo

do falar e no falar se cala.

Por isso o poeta tem que falar baixo

baixo quase sem fala em suma

mesmo que não se ouça coisa alguma.


Aliás, confessa o poeta: “apenas fulge / em alguma parte alguma / da vida.”


Ferreira Gullar

vicente romero

 

explicar com palavras deste mundo

que partiu de mim um barco levando-me


Alejandra Pizarnik

 

vicente romero


o verso

lá do outro lado

é margem inversa

da imagem complexa

de onde com (versam)

os poréns da reflexão

o lago é espelho

de um poema inacabado…


Denison Mendes


 

vicente romero


As palavras são

As línguas dos olhos

Mas o que é um poema

Senão

Um telescópio do desejo

Fixado pela língua?

O voo sinuoso das aves

As altas ondas do mar

A calmaria do vento:

Tudo

Tudo cabe dentro das palavras

E o poeta que vê

Chora lágrimas de tinta.


Ana Hatherly


I have come to shine



I have come

to take you by your hand,

and bring you to myself.


I have come

to shine your way

as you walk this path.


I will make you guiltless,

I will make you fearless,

then I will place you in the

brightest point in the universe.

I have come like a breeze of spring

to your field of flowers,

so I can hold you by my side,

and embrace you tight.


I have come

to take you by your hand,

and bring you to myself.


I have come

to shine your way

as you walk this path.


Like the cry of lovers,

I will help you reach the

roof of heavens.


From the dust of the earth to a human being,

there are a thousand steps.

I have been with you through these steps,

I have held your hand and walked by your side.


And I will be with you

as you move beyond this human form

and soar to the highest heavens.


Rumi poem translated by Shahram Shiva

 

omar ortiz


(…) Paixão é a grossa artéria jorrando volúpia e ilusão, é a boca que pronuncia o mundo, púrpura sobre a tua camada de emoções, escarlates sobre a tua vida, paixão é esse aberto do teu peito, e também teu deserto.

Hilda Hilst

 

Ocean Breeze, de Paul Milner


Não faças de ti

Um sonho a realizar.

Vai.

Sem caminho marcado.

Tu és o de todos os caminhos.

Sê apenas uma presença.

Invisível presença silenciosa.

Todas as coisas esperam a luz,

Sem dizerem que a esperam.

Sem saberem que existe.

Todas as coisas esperarão por ti,

Sem te falarem.

Sem lhes falares.


Cecília Meireles

 

                                                                            Michel Godard



Quem te pudesse ver na intimidade

ondulando nas chamas do desejo,

podia ver aquilo que eu só vejo:

um diabo vicioso em liberdade.


E quem te vê, assim, em sociedade,

frágil e doce como é o poejo,

corando simplesmente com um beijo,

não poderá saber qual a verdade:


se és uma, se és outra, se és nenhuma,

se tudo em ti é feito por medida,

se és talhada em basalto ou se és de espuma.


Mas nem que nisso gaste toda a vida,

eu hei de descobrir-te. Ver-te, em suma,

na minha cama nua e não despida.


Joaquim Pessoa 

A adormecida

 

Mariska Karto


Que segredo incandesces no peito, minha amiga,

Alma por doce máscara aspirando a flor?

De que alimentos vãos teu cândido calor

Gera essa irradiação: mulher adormecida?


Sopro, sonhos, silêncio, invencível quebranto,

Tu triunfas, ó paz mais potente que um pranto,

Quando de um pleno sono a onda grave e estendida

Conspira sobre o seio de tal inimiga


Dorme, dourada soma: sombras e abandono.

De tais dons cumulou-se esse temível sono,

Corça languidamente longa além do laço,


Que embora a alma ausente, em luta nos desertos,

Tua forma ao ventre puro, que veste um fluido braço,

Vela, Tua forma vela, e meus olhos: abertos.


Paul Valéry

Tradução: Augusto de Campos

Quero apenas

Leopold Schmutzler 

Além de mim, quero apenas

essa tranquilidade de campos de flores

e este gesto impreciso

recompondo a infância.

Leopold Schmutzler 

Além de mim

– e entre mim e meu deserto –

quero apenas silêncio,

cúmplice absoluto do meu verso,

tecendo a teia do vestígio

com cuidado de aranha.


Olga Savary

L.W. Howard 


Beijar teus olhos será morrer pela esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e instante
do meu perpétuo instante.


- Eu devo rasgar minha face para que a tua
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.


Herberto Helder

 

Giovanni Boldini


(...) rodeai-vos de pessoas que sejam como um jardim, ou que se assemelhem a uma música sobre as águas, quando se aproxima o anoitecer e o dia se torna recordações: buscai a boa solidão, aquela solidão livre, escolhida, leve, que vos permite ainda ser bons em qualquer sentido.

Friedrich Nietzsche in Além do Bem e do Mal

sábado, 14 de agosto de 2021

artist Eugenia Loli


Artes, as não rentáveis

Bertolt Brecht

Um poema

 

 Vladimir Volegov


Um poema, dizes, em que

o amor se exprima, tudo

resumindo em palavras.

Mas o que fica

nas palavras

daquilo que se viveu?

Um pó de sílabas,

o ritmo pobre da

gramática, rimas sem nexo…


Nuno Júdice

Os livros

A reclining woman reading - Albert Ritzberger

 

Os livros. A sua cálida,

terna, serena pele. Amorosa

companhia. Dispostos sempre

a partilhar o sol

das suas águas. Tão dóceis,

tão calados, tão leais,

tão luminosos na sua

branca e vegetal e cerrada

melancolia. Amados

como nenhuns outros companheiros

da alma. Tão musicais

no fluvial e transbordante

ardor de cada dia.


Eugénio de Andrade

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

A corda

 aquarela by jorge tenorio


O navio amarrado. O pássaro amarrado.

A pedra amarrada.


O homem.


(Murilo MENDES, 1994: 707. In: Convergência, 1970)

 

l'utopie - rené magritte


Os que têm medo sonham. Porque tenho medo da cidade grande onde me perco eu sonho com cidade grande que posso amar. É uma utopia. Não existe. Mas não tem importância. Valéry perguntou: “Que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?” O que não existe socorre. Oscar Wilde, que sabia do socorro das coisas que não existem, escreveu: “Um mapa do mundo que não inclua o país da Utopia não merece nem mesmo um olhar, pois ignora o único país ao qual a Humanidade constantemente chega. E quando a Humanidade lá atraca, fica alerta, e levanta novamente as âncoras ao vislumbrar terra melhor…


Rubem Alves

 Bryan Sola


 (…) Não é você que está respirando, é a existência que respira você. Se você relaxa, pouco a pouco torna-se ciente de que não está respirando - a respiração está vindo sozinha. E graciosamente. Com dignidade. Com ritmo. E que ritmo harmonioso. Quem o produz? A existência - é ela que respira você. Entra e sai de você. De repente, você vê a respiração como um acontecimento…


Osho in “A música mais antiga do universo”

 Pino Daeni


 Cala-te, voz que duvida

e me adormece

a dizer-me que a vida

nunca vale o sonho que se esquece.


Cala-te, voz que assevera

e insinua

que a primavera,

a pintar-se de lua

nos telhados,

só é bela

quando se inventa

de olhos fechados

nas noites de chuva e de tormenta.


Cala-te, sedução

desta voz que me diz

que as flores são imaginação

sem raiz.


Cala-te, voz maldita

que me grita

que o sol, a luz e o vento

são apenas o meu pensamento

enlouquecido…

(E sem a minha sombra

o chão tem lá sentido!)


Mas canta tu, voz desesperada

que me excede.

E ilumina o Nada

com a minha sede.


José Gomes Ferreira

John William Waterhouse



 O vento está cheio de emoções. Quando compreenderes isso,

perceberás quase tudo. Mas, tal como não podes fechar o vento na tua mão,

também não podes guardá-lo para o futuro.

Não há museus para o vento. Não poderás saber como era o

vento na primeira metade do século dezesseis. Podes apenas

saber, talvez, os seus efeitos. E ter uma ideia. Mas, uma ideia

não é o vento, é apenas a ideia de vento.

Também nisso o vento é emoção. Uma emoção que nos acaricia

o rosto ou nos fustiga os ombros, que nos vê envelhecer secretamente.

O vento nunca irá contigo, não te dará respostas, não te fará

perguntas. O vento não se esconde, não se mostra, não se vê.

A sua missão é prosseguir. Sem lamentos. Sem remorso.

Se queres compreendê-lo, não observes, sente-o. E se não deres

por ele, não desistas. Procura-o nas ideias.


Joaquim Pessoa

 

Victor Nizovtsev (On the Horizon)


A minha esperança mora

No vento e nas sereias -

É o azul fantástico da aurora

E o lírio das areias.


Sophia de Mello Breyner Andresen, in “Dia do Mar”

Park Tae


 “Renunciei a buscar a dúvida na música; ela não poderia florescer lá. Ignorando a ironia, ela não procede das malícias do intelecto, mas das nuanças suaves ou veementes da ingenuidade — tolice do sublime, irreflexão do infinito…”.

(Emil Cioran)


“Chamo de música inocente aquela que apenas em si pensa e acredita, e consigo esquece do mundo — o ressoar por si da mais profunda solidão, que sobre si fala consigo e já não sabe que lá fora existem ouvintes, escutadores, efeitos, mal-entendidos e fracassos.”

(Friedrich Nietzsche)


Bosque musical




los pájaros dibujaban en mis ojos

pequeñas jaulas


Alejandra Pizarnik, De Los Trabajos y Las Noches


domingo, 8 de agosto de 2021

Sensibilidade

Francine-Van-Hove


Meu coração

É um quarto de espelhos,

Que reflete e multiplica

Infinitamente,

Uma impressão.


É como o eco

Dos longos corredores desertos,

Que repete e amplifica,

Misteriosamente,

Uma palavra.


É como um frasco de perfume raro

Que guardou,

Para sempre,

Um leve aroma da essência que encerrou.


Helena Kolody