sábado, 4 de abril de 2015

jules joseph lefebvre


Um pêssego como,
o outro já se aproxima —
teus seios maduros

Casimiro de Brito, Um poema do capítulo "Eros mínimo"
do LIVRO DOS HAIKU: 178

As mãos



Com mãos se faz a paz se faz a guerra.
Com mãos tudo se faz e se desfaz.
Com mãos se faz o poema - e são de terra.
Com mãos se faz a guerra - e são a paz.

Com mãos se rasga o mar. Com mãos se lavra.
Não são de pedras estas casas, mas
de mãos. E estão no fruto e na palavra
as mãos que são o canto e são as armas.

E cravam-se no tempo como farpas
as mãos que vês nas coisas transformadas.
Folhas que vão no vento: verdes harpas.

De mãos é cada flor, cada cidade.
Ninguém pode vencer estas espadas:
nas tuas mãos começa a liberdade.


Manuel Alegre
Robert Hagan


A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.


Manoel de Barros. In: Poema
Da obra: Tratado Da Grandeza Do Ínfimo
Editora Record 2003 - pág. 19
 Victor Bauer

 
Faz anos navego o incerto.
Não há roteiros nem portos.
Os mares são de enganos
e o prévio medo dos rochedos
nos prende em falsas calmarias.
As ilhas no horizonte, miragens verdes.
Eu não queria nada além
de olhar estrelas
como quem nada sabe
para trocar palavras, quem sabe um toque
com o surdo camarote ao lado
mas tenho medo do navio fantasma
perdido em pontas sobre o tombadilho
dou a face e forma a vultos embaçados.
A lua cheia diminui a cada dia.
Não há respostas.
Queria só um amigo onde pudesse jogar o coração
como uma âncora.

Caio Fernando Abreu, em "Poesias nunca publicadas de Caio Fernando Abreu". [Organização Letícia da Costa Chaplin, Márcia Ivana de Lima e Silva]. Rio de Janeiro: Editora Record, 2012.

Be near me when my light is low




Be near me when my light is low,
      When the blood creeps, and the nerves prick
      And tingle; and the heart is sick,
And all the wheels of Being slow.

Be near me when the sensuous frame
      Is rack'd with pangs that conquer trust;
      And Time, a maniac scattering dust,
And Life, a Fury slinging flame.

Be near me when my faith is dry,
      And men the flies of latter spring,
      That lay their eggs, and sting and sing
And weave their petty cells and die.

Be near me when I fade away,
      To point the term of human strife,
      And on the low dark verge of life
The twilight of eternal day. 

Alfred Lord Tennyson

 Essa coisa estranha e solitária, esse navegar é preciso, viver não, viver é se deixar consumir na procura e invenção de outras vidas, e não importa mais a vida, a própria, importa apenas o árduo trabalho da busca. Ou talvez não, talvez exatamente pelo oposto, por amar demasiadamente a vida, não só a própria como a de todos, a vida é que se entrega à loucura de emprestar a alma e viver intensamente outras emoções que nem são suas.
Será isso o talento? Uma condenação a se afastar pra sempre de si mesmo e se envolver com outras dores, outros tipos de amor e medo como se lhe pertencessem? Ou será uma benção? O dom de percorrer todas as gamas, todas as formas de ser, tudo que habita no desconhecido e se oculta e cabe à Criação, a delícia de desvendar, entrever aos poucos. Devagar. Por toda a vida.

Bruna Lombardi, do livro 'O perigo do dragão'
Jean-Pierre Leclercq

A Lua (dizem os ingleses),
É feita de queijo verde.
Por mais que pense mil vezes
Sempre uma ideia se perde. 
E era essa, era, era essa,
Que haveria de salvar
Minha alma da dor da pressa
De... não sei se é desejar. 
Sim, todos os meus desejos
São de estar sentir pensando...
A Lua (dizem os ingleses)
É azul de quando em quando. 

Fernando Pessoa, 14-11-1931
            



                               "Na frente
                              seus olhos molhados.
                            Atrás
                            minha falta de perdão."
                           (Yara Daher - Procissão)


caminho à frente,
em busca da palavra que eu preciso: perdão.

atrás, a que eu mereço: não.

desfaço o passo,
volto de onde estou: apago os rastros
e te convido a escrever na areia nova
- nossas mãos numa só mão - ,
a palavra que nos diz e nos renova:
                                    precisão.

Antoniel Campos




“Não pareis de dançar, encantadoras meninas! Quem se aproxima de vós não é um obstáculo a vosso entretenimento, um olho mau, um inimigo das jovens.
Sou o advogado de Deus perante o diabo. Esse diabo é o espírito do peso. Vós, tão leves, como poderia eu ser inimigo das divinas danças? Ou dos pés das jovens de graciosos tornozelos?
É certo que sou uma selva e uma noite de árvores sombrias, mas aquele que não se amedrontar de minhas trevas encontrará sobre meus ciprestes coroas de rosas.
Saberá também encontrar o pequenino Deus preferido das donzelas. Está junto da fonte, tranquilo, de olhos fechados.
Na verdade, adormeceu em pleno dia o folgado! Sem dúvida, andou atarefado demais, não é? Com sua caça às borboletas.
Não vos zangueis comigo, formosas dançarinas, se contra o pequeno Deus ando um tanto irritado. Sem dúvida, ele vai gritar e chorar. Mas, até quando chora, se presta ao riso.
E, com lágrimas nos olhos, ele vai voz convidar para uma dança. Eu mesmo acompanharei essa dança com uma canção.
Uma canção para dançar e uma sátira sobre o espírito do peso, sobre meu diabo soberano e onipotente que dizem ser o dono do mundo”.

— Friedrich Wilhelm Nietzsche, in Assim Falava Zaratustra

"Poética"


Poeta
profissão de risco:
tanger palavras
cúmplices do jogo
no abismo misterioso
do sentido
arisco.

Arrisco.



PROENÇA FILHO, Domício. "Poética". In:_____. O risco do jogo. São Paulo: Prumo, 2013.

Mistério de Ariadne segundo Nietzsche:

Dionysos and Ariadne (From Hellas, circa 323 BCE. Now in the Louvre...)


Dionísio canta:

"Sê prudente, Ariadne!...
Tens pequenas orelhas, tens minhas orelhas:
Pōe aí uma palavra sensata!
Não é preciso primeiro odiarmo-nos se devemos nos amar?...
Sou teu labirinto..."


Gilles Deleuze, Crítica e Clínica




Acordo. dormes ainda.
Que fazer se me apetece?
Pego na tua mão
e pouso-a onde estou vivo.
respiras. Andantino.
As costas para mim. Não resisto.
Os dedos, leves, ensalivados,
vão a procura do grão, do seu
pólen. Vão e vêm, vou e venho.
Beijo-te no ombro. Sorris.
Dormes ainda? Subitamente
abres os olhos e abres a boca
e debruças-te sobre mim.
O dia principia.

Casimiro de Brito, in amar a vida inteira

Canto Íntimo



Meu amor, em sonhos erra,
Muito longe, altivo e ufano
Do barulho do oceano
E do gemido da terra!

O Sol está moribundo.
Um grande recolhimento
Preside neste momento
Todas as forças do Mundo.

De lá, dos grandes espaços,
Onde há sonhos inefáveis
Vejo os vermes miseráveis
Que hão de comer os meus braços.

Ah! Se me ouvisses falando!
(E eu sei que às dores resistes)
Dir-te-ia coisas tão tristes
Que acabarias chorando.

Que mal o amor me tem feito!
Duvidas?! Pois, se duvidas,
Vem cá, olha estas feridas,
Que o amor abriu no meu peito.

Passo longos dias, a esmo.
Não me queixo mais da sorte
Nem tenho medo da Morte
Que eu tenho a Morte em mim mesmo!

"Meu amor, em sonhos, erra,
Muito longe, altivo e ufano
Do barulho do oceano
E do gemido da terra!"

Augusto dos Anjos