É difícil, é impossível crer que o deus bom, o “Pai”, tenha-se envolvido no escândalo da criação. Tudo faz pensar que não teve nela participação alguma, que essa é a obra de um deus sem escrúpulos, de um deus tarado. A bondade não cria: falta-lhe imaginação; mas é preciso possuí-la para fabricar um mundo, por mais avacalhado que seja. É, no limite, da mescla de bondade e maldade que pode surgir um ato ou uma obra. Ou um universo. Partindo do nosso, é em todo caso muito mais fácil remontar a um deus suspeitoso que a um deus honrável.
O deus bom, decididamente, não foi dotado para criar: possui tudo, menos a onipotência. Grande por suas deficiências (anemia e bondade andam juntas), é o protótipo da ineficácia: não pode ajudar ninguém… Só nos agarramos a ele quando nos despojamos de nossa dimensão histórica; enquanto nos reintegramos a ela, nos é estranho, nos é incompreensível: não tem nada do que nos fascina, não tem nada de monstro. E é então quanto nos voltamos ao criador, deus inferior e atarefado, instigador dos acontecimentos. Para compreender como pôde ter criado, é preciso imaginá-lo presa do mal, que é inovação, e do bem, que é inércia. Esta luta foi, sem dúvida, nefasta para o mal, pois deveu sofrer a contaminação do bem: o que explica por que a criação não pode ser inteiramente má.
Emil Cioran