terça-feira, 21 de setembro de 2021

A Flor

Anthony Van Dyck.

Vejo uma flor seca, sem ar

Cá esquecida num caderno,

E meu espírito prosterno

em esquisito meditar:


Floriu quando? Onde? Em que estação?

Postergou-se? É estranha

Ou é amiga a mão que a apanha?

E a pôs aqui por que razão?


Para recordar um encontro amável

Ou uma separação funesta,

Ou um passeio solitário

Num sítio, na sombria floresta?


E ele estará vivo, ela também?

A que refúgio se retêm?

Ou eles ambos já murcharam

Como esta flor que aqui deixaram?


Alexander Pushkin


 


"A liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só, nasceste escravo."

Fernando Pessoa

 

francesca strino


"Clara habitava um universo inventado por ela, protegido pelas adversidades da vida, onde a verdade prosaica das coisas materiais se confundia com a verdade tumultuosa dos sonhos, nos quais nem sempre funcionavam as leis da física e da lógica ".

(Isabel Allende, ′′ A Casa dos Espíritos ′′)

 



Abre a janela, e olha!

Tudo o que vires é teu.

A seiva que lutou em cada folha,

E a fé que teve medo e se perdeu.


Abre a janela, e colhe!

É o que quiser a tua mão atenta:

Água barrenta,

Água que molhe,

Água que mate a sede…


Abre a janela, quanto mais não seja

Para que haja um sorriso na parede!


Miguel Torga


 

entre o preto e o branco

há tantas cores quantas há entre um azul e o mesmo azul.

eu vejo a cor que eu sinto e não aquela que percebo.


um instante é o mesmo instante que foi antes e é depois.

todo o infinito aí guardado.

mas eu sou o tempo que eu sinto e não aquele que mensuro.


da gradação entre as palavras, o sim bafeja o não e o não roça no sim.

todas as palavras aí contidas.

mas eu digo a palavra que eu sinto e não aquela que se encaixa.


Antoniel Campos

Emerico Toth

 

Não há guarda-chuva

contra o poema

subindo de regiões onde tudo é surpresa

como uma flor mesmo num canteiro.


Não há guarda-chuva

contra o tédio:

o tédio das quatro paredes, das quatro

estações, dos quatro pontos cardeais.


Não há guarda-chuva

contra o mundo

cada dia devorado nos jornais

sob as espécies de papel e tinta.


Não há guarda-chuva

contra o tempo,

rio fluindo sob a casa, correnteza

carregando os dias, os cabelos.


João Cabral de Mello Neto, Poema retirado de A educação pela pedra

daniel gerhartz


 Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

ai, palavras, ai, palavras,

sois de vento, ides no vento,

no vento que não retorna,

e, em tão rápida existência,

tudo se forma e transforma!


Sois de vento, ides no vento,

e quedais, com sorte nova!


Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

todo o sentido da vida

principia à vossa porta;

o mel do amor cristaliza

seu perfume em vossa rosa;

sois o sonho e sois a audácia,

calúnia, fúria, derrota…


A liberdade das almas,

ai! com letras se elabora…

E dos venenos humanos

sois a mais fina retorta:

frágil, frágil como o vidro

e mais que o aço poderosa!

Reis, impérios, povos, tempos,

pelo vosso impulso rodam…


Detrás de grossas paredes,

de leve, quem vos desfolha?

Pareceis de tênue seda,

sem peso de ação nem de hora…


e estais no bico das penas,

e estais na tinta que as molha,

e estais nas mãos dos juízes,

e sois o ferro que arrocha,

e sois barco para o exílio,

e sois Moçambique e Angola!

Ai, palavras, ai, palavras,

íeis pela estrada afora,

erguendo asas muito incertas,

entre verdade e galhofa,

desejos do tempo inquieto,

promessas que o mundo sopra…


Ai, palavras, ai, palavras,

mirai-vos: que sois, agora?


Acusações, sentinelas,

bacamarte, algema, escolta;

o olho ardente da perfídia,

a velar, na noite morta;

a umidade dos presídios,

a solidão pavorosa;

duro ferro de perguntas,

com sangue em cada resposta;

e a sentença que caminha,

e a esperança que não volta,

e o coração que vacila,

e o castigo que galopa…

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

Perdão podíeis ter sido!


sois madeira que se corta,

sois vinte degraus de escada,

sois um pedaço de corda…

sois povo pelas janelas,

cortejo, bandeiras, tropa…

Ai, palavras, ai, palavras,

que estranha potência, a vossa!

Éreis um sopro na aragem…


sois um homem que se enforca!


Cecília Meireles, Romance das Palavras Aéreas


Alexey Tchernigin



Después que te conocí,

Todas las cosas me sobran:

El Sol para tener día,

Abril para tener rosas.


Por mi bien pueden tomar

Otro oficio las Auroras,

Que yo conozco una luz

Que sabe amanecer sombras.


Francisco de Quevedo