Os mais extravagantes pensamentos ocorrem na travessia de ruas transbordantes de gente, quando aquele que passa não tem destino certo. É assim também que a mente compõe toda sorte de configurações, soluções e imagens, quando se ouve música atentamente. Da aguda consciência de si mesma enquanto indivíduo, Mary passou a uma concepção sobre a ordem das coisas em que, como ser humano, cabia-lhe, por direito, a sua cota. Teve, a meio, uma visão; a visão formou-se, depois minguou. Quisera ter um lápis e um pedaço de papel para dar forma a essa concepção que se propusera espontaneamente enquanto descia a Charing Cross Road. Mas, se falasse a qualquer pessoa, a concepção poderia fugir-lhe. A visão parecia conter as linhas mestras da sua vida até a morte, de uma maneira satisfatória para o seu senso de harmonia. Necessitava apenas de um persistente esforço de pensamento, estimulado curiosamente pela multidão e pelo barulho, para subir até o pináculo da existência e ver tudo lá do alto, disposto e armado de uma vez por todas. Seu sofrimento, enquanto indivíduo, ficara para trás. Desse processo, para ela repleto de esforço, com transições infinitamente rápidas e drásticas de pensamento, a levar de uma crista a outra, e formando, assim, a sua concepção da vida neste mundo, desse processo umas poucas palavras articuladas lhe escaparam, murmuradas entre dentes: — Não é a felicidade, não é a felicidade.
Virgínia Woolf, Noite e dia