Praticar a arte da vida, fazer de sua existência uma “obra de arte”, significa, em nosso mundo líquido-moderno, viver num estado de transformação permanente, autorredefinir-se perpetuamente tornando-se (ou pelo menos tentando se tornar) uma pessoa diferente daquela que se tem sido até então. “Tornar-se outra pessoa” significa, contudo, deixar de ser quem se foi até agora, romper e remover a forma que se tinha, tal como uma cobra se livra de sua pele ou uma ostra de sua concha; rejeitar, uma a uma, as personas usadas - que o fluxo constante de “novas e melhores” oportunidades disponíveis revela serem gastas, demasiado estreitas ou apenas não tão satisfatórias quanto foram no passado. Para apresentar em público um novo eu e admirá-lo no espelho e nos olhos dos outros, é preciso tirar o velho eu das vistas, nossas e de outras pessoas, e possivelmente também da memória, nossa e delas. Ocupados com a “autodefinição” e a “autoafirmação”, nós praticamos a destruição criativa. Diariamente.
Para muitas pessoas, particularmente para os jovens que só deixaram atrás de si umas poucas marcas, na maioria superficiais e fáceis de apagar, essa nova edição da arte da vida pode muito bem parecer atraente e desejável. Reconhecidamente, não sem boas razões. Esse novo tipo de arte promete uma longa corrente, aparentemente infinita, de futuras alegrias. Além disso, promete que a pessoa em busca de uma vida alegre e satisfatória jamais sofrerá uma derrota final, definitiva, irrevogável, que após cada recuo haverá uma segunda chance e a possibilidade de recuperação, com permissão de parar de perder e “começar de novo”, “começar do (novo) começo” - ou mesmo recuperar ou obter plena compensação pelo que se perdeu no ato de “renascer” (leia-se: aderindo a um outro “jogo único na cidade”, este, espera-se, mais afortunado e simpático ao usuário), de modo que as partes destrutivas dos sucessivos atos de destruição criativa possam ser facilmente esquecidas e o gosto amargo da perda possa ser superado pela doçura das novas paisagens e de suas promessas ainda não testadas.
Zygmunt Bauman, A arte da vida