quarta-feira, 21 de setembro de 2022

 

Marco Busoni



Contavam as sereias que na tempestade dos seus olhos

os barcos adormeciam tontos, cansados das marés;

que os seus beijos sabiam a mar e que na sua pele crestada

pelo sol havia a cintilância das ondas ao meio-dia;

que os seus ombros lembravam promontórios e que neles

as mulheres deixavam naufragar as mãos e os lábios;

que uma noite tocara a lua com os seus dedos-mastros

e ouvira uma voz dentro de si, vinda de muito longe;

que era hábil com as redes, como com as palavras.

 

Alguém veio pedir-lhe que abandonasse os peixes

pelos homens. Em troca, receberia

um templo eterno, uma chave, o privilégio de decidir

todos os lugares da chuva, um nome novo

para poder negar o que vira antes.


Maria do Rosário Pedreira