Só me interessa escrever quando eu me surpreendo com o que escrevo. Eu prescindo da realidade porque posso ter tudo através do pensamento. A realidade não me surpreende. Mas não é verdade: de repente tenho uma tal fome da "coisa acontecer mesmo" que mordo num grito a realidade com os dentes dilacerantes. E depois suspiro sobre a presa cuja carne comi. E por muito tempo, de novo, prescindo da realidade real e me aconchego em viver da imaginação. Como tornar tudo um sonho acordado?
Clarice Lispector, Um sopro de vida