quinta-feira, 27 de junho de 2024

Fulvio De Marinis

Gosto de palavras. (...) Vou de agora em diante escrever neste diário, em dias em que não haja mais o que fazer, as frases quase à beira de não ter sentido mas que soam como palavras amorosas. Dizer palavras sem sentido é minha grande liberdade. Pouco me importa ser entendida, quero o impacto das sílabas ofuscantes, quero o nocivo de uma palavra má. Na palavra está tudo. Quem me dera, porém, que eu não tivesse esse desejo errado de escrever. Sinto que sou impulsionada. Por quem? Eu quero escrever com palavras tão agarradas umas nas outras que não haja intervalos entre elas e entre eu. Eu quero escrever bem zangada. Quanto a mim, eu sou de longe. Muito longe. E de mim vem o puro cheiro de querosene.

Clarice Lispector, Um sopro de vida