quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Onda

 




Quem falou de primavera

sem ter visto o teu sorriso,

falou sem saber o que era.


Pus o meu lábio indeciso

na concha verde e espumosa

modelada ao vento liso:


tinha frescuras de rosa,

aroma de viagem clara

e um som de prata gloriosa.


Mas desfez-se em coisa rara:

pérolas de sal tão finas

- nem a areia as igualara!


Tenho no meu lábio as ruínas

de arquiteturas de espuma

com paredes cristalinas...


Voltei aos campos de bruma,

onde as árvores perdidas

não prometem sombra alguma.


As coisas acontecidas,

mesmo longe, ficam perto

para sempre e em muitas vidas:


mas quem falou de deserto

sem nunca ver os meus olhos...

- falou, mas não estava certo.


Cecília Meireles