quinta-feira, 28 de abril de 2022

Emile Vernon

 

A tua nudez inquieta-me. 

Há dias em que a tua nudez

é como um barco subitamente entrado pela barra. 

Como um temporal. Ou como 

certas palavras ainda não inventadas, 

certas posições na guitarra 

que o tocador não conhecia.


A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo 

para um lado misterioso e frágil. 

Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe 

contorno, peso. Destrói o meu corpo. 


A tua nudez é uma violência 

suave, um campo batido pela brisa 

no mês de Janeiro quando sobem as flores 

pelo ventre da terra fecundada. 

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas 

com o vocabulário da tua nudez. 


Tenho «um pensamento despido»; 

maturação; altas combustões. 

De mão dada contigo entro por mim dentro 

como em outros tempos na piscina 

os leprosos cheios de esperança. 


E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete 

que lanço com mão tremente desastrada 

para rebentar e encher a minha carne 

de transparência. 


Sete dias ao longo da semana, 

trinta dias enquanto dura um mês 

eu ando corajoso e sem disfarce, 

iluminado, certo, harmonioso. 

E outras vezes sucede que estou: inquieto. 

Frágil. 

Violentado. 

Para que eu me construa de novo 

a tua nudez bascula-me os alicerces. 


Fernando Assis Pacheco 

in A Musa Irregular