domingo, 2 de janeiro de 2022

Supermercado



Ainda ficou um pouco

de teu cabelo no travesseiro

de teu corpo no meu corpo

de teu cheiro

um pouco da tua colônia

em alguns vestidos meus

ficou no meu cotidiano

um gosto bobo de adeus.

Ficou um resto de shampoo

no teu frasco no banheiro

de tudo ficou um pouco

de teu jeito, de teu cheiro.

Ficaram umas coisas tuas

espalhadas pelo quarto.

Ficou teu riso marcado

na moldura do retrato.

Em tudo ficou um pouco.

Ficou nosso jogo de damas

(eu branco, você preto)

intacto no sofá-cama.

Alguns discos teus, alguns livros

na parede o retrato de Dalí

e a tua natureza morta.

Um pouco de teu silêncio

se espalhou pela casa

tu xícara de porcelana

verde e branca, sem a asa.

De você ficou um pouco

do trem da nossa viagem

do nosso jantar chinês

da nossa camaradagem.

Ainda ficou tua letra

em alguns papéis amassados.

Em tudo ficou um pouco de você

no mar, no rio, na serra

na estrada da casa de campo

na pedra, no gato, na terra.

Ficou um pouco do teu rosto

no rosto dos meus amigos

ficaram palavras tuas

em tudo aquilo que digo.

Eu fiquei com o teu jeito

de querer falar primeiro

teu corpo no meu corpo

cabelo no travesseiro.


Bruna Lombardi, 

O perigo do Dragão, pág.99