sábado, 23 de julho de 2011
Beleza
A palavra beleza, assim, solitária, virou gíria. Vou te buscar às nove. Beleza. Semana que vem estarei em São Paulo. Beleza. Entrou em cartaz o novo filme do Jorge Furtado. Beleza.
Real Beleza, quase acertou.
Poderia comentar as ótimas atuações do elenco, com destaque para a expressiva participação de Francisco Cuoco. Ou salientar a relevância da trilha sonora, que ficou a cargo de Leo Henkin. Ou registrar os ares de “As Pontes de Madison” que o filme invoca. Ou ainda celebrar as pausas e a economia dos diálogos sempre precisos do Jorge. Enfim, é mais um produto da grife Casa de Cinema, mas me deu vontade mesmo é de tentar definir o que é beleza, que está muito além de uma simples gíria.
Alguns consideram que o encantamento pelo belo é prova irrefutável da nossa superficialidade. Seria uma declaração de esnobismo. Ora, é justamente o contrário. A apreciação da beleza está intimamente ligada à nossa compreensão do quanto viver é difícil, ou seja, é prova da nossa profundidade. Quanto mais sintonizados com as dificuldades da existência, mais desfrutamos o belo.
O valor da beleza está na consciência do que é trágico.
A beleza de um quadro, de uma música, de um jardim, de um poema, de uma paisagem, do perfil de uma moça ou da postura de um rapaz é apreciada justamente pelo contraste com a decrepitude que há em torno, com a decadência das formas, com a frieza dos costumes, com o apodrecimento das intenções, com o feio em nossas vidas. A beleza é o alívio para a desesperança.
Percebê-la é um consolo, uma confirmação de que não fomos sepultados, não capitulamos, não fomos engolidos pela descrença.
Admiro quem reconhece o belo em todas as suas variadas manifestações, em quem se sensibiliza com ele em vez de criticá-lo como se fosse algo dispensável. A beleza é sempre uma homenagem. Contemplá-la é um gesto de grandeza. Pobres daqueles que a desprezam, que não percebem que a crueza da humanidade é uma desordem a ser combatida, que julgam natural permanecer em constante estado de dor e não alcançam jamais o êxtase, o enlevo, o deleite que resgata nossa essência.
A beleza de uma pessoa está em tudo que ela é. Tanto em sua aparência física (quando se tem a sorte de nascer com ela), como – e principalmente - na beleza buscada pelo espírito como forma de resistir à hostilidade que nos cerca, à escuridão e sua opressiva nuvem negra. Escapamos do breu através de olhares, silêncios, gestos, sorrisos, sutilezas, delicadezas, instantes, sintonias.
É apenas um filme e não trata de nada disso. Ou trata. Vai depender do seu olhar, do que você enxerga, de quão terna e bela é sua mirada pra vida.
Martha Medeiros