Cena IV
La Flèche, Frosina
La Flèche (sem ver Frosina) – Que estúpida aventura!... Mas para que o Sr. Harpagon tenha oferecido tantas quinquilharias é preciso que possua, em qualquer lugar, um armazém secreto. Nenhum dos objetos oferecidos é conhecido meu...
Frosina – És tu, La Flèche?
La Flèche – Olá Frosina... Que vens fazer aqui?
Frosina – O que faço sempre: tratar de negócios, ser prestativa e aproveitar, o mais possível, o meu talento. Neste mundo é preciso, antes de mais nada, saber viver, meu caro... E as pessoas como eu têm apenas, como rendimento, a intriga e a astúcia...
La Flèche – E tens algum negócio com o Sr. Harpagon?
Frosina – Tenho... Estou tratando de um caso para ele e espero uma recompensa...
La Flèche – Recompensa?!... Olha que serás bem astuciosa se conseguires tirar qualquer coisa do celerado. Devo prevenir-te de que o dinheiro por aqui é muito caro... e muito caro...
Frosina – Mas há certos serviços que alargam os condões das bolsas, meu amigo.
La Flèche – Eu conheço o teu talento, mas tu não pareces conhecer o Sr. Harpagon. O Sr. Harpagon é, de todos os humanos, o humano menos humano; de todos os mortais, o mortal mais duro. Não existe serviço algum que possa levar o seu reconhecimento ao ponto de fazê-lo abrir as mãos... O elogio, a estima, a benevolência de palavras, isso é à vontade... Mas dinheiro, absolutamente nada!...E mesmo as suas gentilezas são tudo a que existe de mais seco e de mais árido. Tem tanta aversão ao verbo dar que nunca na sua vida chegou a dar um bom dia... ele empresta um bom dia.
Frosina – Qual!... eu conheço a arte de cativar os homens... Possuo o segredo de conquistar-lhes as simpatias, de acariciar-lhes o coração e de achar os seus pontos fracos...
La Flèche – Com ele tudo falha. Duvido que alguém consiga enternecer o Sr. Harpagon em matéria de dinheiro!... Ele é genial na resistência. A gente arrebenta e ele nem se move. O Sr. Harpagon ama o dinheiro mais do que a honra, a reputação e a virtude. A simples vista de um pedinte dá-lhe convulsões. Pedir é feri-lo no seu ponto vulnerável, atingi-lo no coração, arrancar-lhe as entranhas... e se tu... mas ei-lo de volta!... Adeus! (sai pelo fundo, à direita)
Molière, O Avarento